Alena Existe: ficção científica e criação de mundos

 Alena Existe, de Roger Dörl, parecia ser uma ótima oportunidade para um livro de ficção científica nacional trazer críticas a assuntos tão atuais e pertinentes. Contudo, o que sobressai é uma sequência de boas ideias mal aproveitadas.

Arte de ‘Alena Existe’, livro de Roger Dörl.

Uma boa ficção científica força as barreiras da imaginação para criar um mundo, muitas vezes, futuro ao nosso. Discute-se assim as consequências que a humanidade pode enfrentar se não prestar atenção aos problemas que parecemos ignorar na atualidade, trazendo um futuro crível e com discussões não apenas necessárias como bem elaboradas. Infelizmente, Alena Existe é um livro de ficção científica que não consegue fazer isso.

            Alena Existe é um livro escrito pelo autor paranaense, radicado em Brasília, Roger Dörl e lançado neste ano de 2024. A história se passa em um mundo, séculos no futuro, em que a humanidade se rendeu completamente à vivência na realidade virtual (VR), passando toda a vida deitados em suas camas, muitas vezes se recusando a ter qualquer relação com o mundo real. Estudando, trabalhando e tendo lazer na VR. O leitor acompanha, então, Alena, uma mulher que está sempre se questionando sobre esse estilo de vida ao mesmo tempo que se mantém nele. Mas tudo vira de ponta cabeça quando ela presencia um assassinato que estava sendo transmitido da realidade e se envolve em uma investigação informal para encontrar o serial killer que leva o nome de Samurai. A premissa é muito interessante e de grande potencial, mas, infelizmente, o livro possui alguns problemas que não podem ser ignorados ao longo da leitura.

            O problema que primeiro salta aos olhos do leitor é o universo inverossímil. Claro, histórias de ficção científica e fantasia não têm nenhum interesse de se assemelhar à realidade. No entanto, a verossimilhança não é isso, mas sim criar um mundo que se torne real dentro de si mesmo. Tendo isso em mente, me parece improvável que todos os elementos apresentados dentro do livro façam parte da mesma realidade. Um bom exemplo para isso é que o Um Mundo – nome dado ao governo e local onde o livro se passa – uniu todas as nações sob um único governo, assim a VR é dividida em sete servidores, um para cada continente. Mas como todos aqueles com quem Alena se envolve ou precisa se encontrar moram, se não na mesma cidade, em alguma outra próxima o bastante? Questões como essas são normais quando se cria diferentes realidades para a escrita, todo autor pode deixar um furo em sua história. Mas estas são tão frequentes durante a leitura de Alena Existe que se torna difícil focar na trama que está sendo contada quando o mundo parece cada vez mais bagunçado.

            Por consequência desse mundo mal construído, as críticas e reflexões nele feitas – para mim, um dos pontos mais interessantes em uma ficção científica – terminam por não ser bem exploradas, sendo muitas vezes rasas. Ao situar seu livro em séculos no futuro, não houve uma adaptação dos diversos preconceitos que se tenta abordar. A misoginia do século XIX continua em voga no XXI, no entanto com roupagens diferentes, o que pode tornar difícil de identificar e lutar contra. Essas nuances que devem ser pensadas, quando se trata de um livro que se propõe criticar a atualidade através de um futuro distante, entretanto, são deixadas de lado para fazer apenas críticas sem pensar muito nelas.

            O que nos leva para a estrutura confusa que esse livro apresenta. A sensação que é passada durante a leitura é a de que foi publicada a primeira versão da história, sem revisão do autor ou do editor. Ou seja, não foi dada a necessária importância para o que estava sendo publicado, não houve o devido polimento que merecia.

Para ilustrar essa confusão, pode-se pensar como a segunda metade da história além de muito destoar da primeira, ignora muito do que foi antes apontado. Os acontecimentos parecem convenientemente colocados para que a protagonista tenha uma peça chave neles, além da quantidade exagerada de coincidências. Essa má estruturação se mostra ainda mais palpável quando, ao final do livro, há seis páginas (p. 439-445) de longas explicações do que devia ter sido mostrado ao longo das quase 500 páginas do livro. Além de um trecho no qual há uma conversa onde Alena tem suas perguntas respondidas em monólogos, mais uma vez, partes do enredo que deviam ter sido descritas ao longo de todo o texto. Ao invés de mostrar ao leitor o que acontece e inseri-lo no mundo que criou, o autor se resume em dizer o que ocorreu.

É com grande pesar que escrevo essa resenha, pois quando li a premissa de Alena Existe pensei que seria uma ótima oportunidade para um livro de ficção científica nacional trazer críticas a assuntos tão atuais e pertinentes. Contudo, o que li foi uma sequência de boas ideias mal aproveitadas. Há momentos em que se pode ver a paixão daquilo que estava sendo escrito, no entanto a sensação de pressa para publicar é impressa em cada uma das 490 páginas desse livro. Espero um dia ver essas ideias escritas com mais paciência e com uma boa edição no futuro.

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