Carta só para Júnia Paixão

Para Júnia Paixão: A busca minuciosa e genuína pela memória individual e coletiva de mulheres deu a seu livro a solidez de uma fortaleza.

Júnia, 

espero que esteja bem. Hoje reli seus “pés descalços sobre brasas” para poder fixar algumas impressões nesta carta que segue com meu pedido de desculpas pelo atraso… seu livro saiu no último setembro e eu queria já ter escrito sobre ele desde o dia em que finalizei a primeira leitura. O bom disso tudo foi que revisitar seus poemas me fez confirmar minha sensação inicial, do quanto sua literatura amadurece e de como, num modo crescente e certeiro, nos encanta.

A busca minuciosa e genuína pela memória individual e coletiva de mulheres deu a seu livro a solidez de uma fortaleza. Você soube juntar cacos de identidades e pedaços de retratos para sedimentar a beleza da resistência, do afeto e da feminilidade. Essas vozes todas que se juntam à sua, entoam um canto muito poderoso de lucidez, altivez e sabedoria. Alda, Maura, Alzira, Rosa, Josefa, Irene, Carla, Rita, Marialva, Selma, Luzia, Suzana e Socorro são também uma Júnia que, frente ao espelho das lembranças, revê uma poderosa travessia de ancestralidade. 

Uma ancestralidade que consigo carrega os ônus e bônus da existência. Uma existência de teimosia em tempos de preconceitos, submissões e violências. Se “pelos cantos da história (…) uma vida em sussurros” levava “na bagagem apenas culpa e vergonha” sob “demãos de esperas”, a redenção dos “recorrentes desejos de voo” também pode coordenar as mãos que sobre o “piano determinam o entardecer”. 

Obrigado por escancarar a “tátil melancolia” que nos cobre. Obrigado por escrever com luz, porque “só a palavra retira das trevas aqueles que sentem demais”. Obrigado por separar o poema “Pata de elefante” dos outros, numa parte do livro só para ele. É o meu preferido, de tantos que grifei, a lápis, tentando não machucar a página. 

Junto a espera ansiosa por novos livros, vai a você muita gratidão, no abraço do sempre amigo,

Márcio

14-IV-2025

Sertão da Farinha Podre – MG

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