“Vocabulário de baixo nível”: censura conservadora e a polícia moral em escola do RS

Diretora da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira pede, ao Governo Federal, retenção de 200 exemplares do livro “O Avesso da Pele”, do autor carioca Jeferson Tenório.

Foto: Diego Lopes/ Feira do Livro de Porto Alegre

Diretora da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira pede, ao Governo Federal, retenção de 200 exemplares do livro “O Avesso da Pele”, do autor carioca Jeferson Tenório. O livro, que venceu o Prêmio Jabuti de 2021 na categoria de Romance Literário, é uma crítica contundente ao Racismo Estrutural, por séculos perpetuado na sociedade brasileira. Em um vídeo publicado nas redes sociais, a diretora Janaína Venzon julgou a obra inadequada para estudantes do Ensino Médio.

Lamentável o Governo Federal, através do MEC [Ministério da Educação] adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do Ensino Médio. Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação dos nossos estudantes e não pela vulgaridade

afirmou a diretora na publicação.

O caso repercutiu e a Diretora foi acusada de censura. O autor da obra também se manifestou após o vídeo que a diretora publicou:

O Avesso da pele já foi adotado em centenas de escolas pelo Brasil, venceu o prêmio Jabuti, foi finalistas de outros prêmios, teve direitos de publicação vendidos para mais de 10 países, foi adaptado para o teatro. Além disso, o livro foi avaliado pelo PNLD [Programa Nacional do Livro do Material Didático] em 2021, ainda no governo Bolsonaro. A própria diretora assinou a ata de escolha do livro. As distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras

disse Jeferson Tenório, autor de ‘O Avesso da Pele’. 

Companhia das Letras emitiu nota de repúdio

A Companhia das Letras, editora que publicou o livro, manifestou-se diante da repercussão do vídeo. Em nota, a editora informou que a obra foi aprovada por uma banca de educadores, especialistas e mestres. 

A editora ainda frisou que, antes de integrar a biblioteca do colégio, o livro passou por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de “ata de escolha” do livro, o qual participa do PNLD [Programa Nacional do Livro e do Material Didático]. A permanência no Programa é voluntária, conforme um dos princípios basilares do PNLD: o respeito à autonomia das redes e escolas, de acordo com sua realidade pedagógica. 

Como consequência, a 6ª Corregedoria Regional de Educação mandou recolher a obra das escolas até uma resposta do governo federal. […] A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo.

Companhia das Letras em nota

A Companhia das Letras, enfim, afirmou que repudia veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias, sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados inadequados por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto, contra o que configura a polícia moral da direita e a censura moralista. 

O que se destaca em O Avesso da Pele não é uma cena, tampouco a linguagem, mas sim a contundente denúncia do racismo que se imiscui em todas as nossas relações, até as mais íntimas

Companhia das Letras em nota

Leia aqui nota completa.

Diversas personalidades também se pronunciaram contra a atitude da diretora, como a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz e a atriz Patricia Pillar, que afirmou que recolher os livros era “algo absurdo”. 

Em nota sobre o livro “O Avesso da Pele”, a diretora Janaína Venzon ressalta que “a obra é elogiável quanto à discussão sobre o Racismo Estrutural”, embora devesse ter tido “cuidado de tratar o assunto sem usar termos impróprios para menores de idade”. 

“O que se quer é uma abordagem literária que respeite a vulnerabilidade social, emocional e de valores éticos fundamentais que nossas crianças e adolescentes necessitam no viver e conviver social no cotidiano”, diz Janaína em nota nas redes sociais, contra a “vulgaridade” dos jargões presentes na obra.

A Revista O Odisseu repudia a censura ao livro ‘O Avesso da Pele’

A equipe editorial da Revista O Odisseu escreveu uma nota de repúdio à censura do livro.

Leia nota completa aqui.

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