Uma Não Resenha de ‘Livro Sem Nome’, de Paulo Henrique Passos

Se você gosta de histórias que beiram o absurdo e que sejam capazes de gerar em você o imediato estranhamento perante a própria vida, “Livro Sem Nome” é um livro para você, assim como foi para mim.

O escritor Paulo Henrique Passos, autor de “Livro Sem Nome” (Patuá, 2023)/ Foto: Fábio H Mendes
Tive interesse em ler “Livro Sem Nome”, do autor cearense Paulo Henrique Passos, muito motivado pela curiosidade de entender do que se tratava o livro. Tudo o que tinha lido sobre o romance eram elogios de outros escritores, inclusive do grande Assis Brasil, e descrições que enfatizavam, justamente, a originalidade de um livro que se apresenta como romance, mas que tramita entre os limites do que entendemos como gênero. Pois bem, peguei o livro para ler e, como exercício da crítica literária, o fiz com muita suspeita. 
No depoimento de Assis Brasil que aparece na quarta capa do livro, o escritor e professor apresenta o livro como uma obra “sobre  a fabulação” e de fato o é. Aqui, Paulo Henrique Passos nos apresenta a personagem Layla que, por livre e espontânea vontade, decide parar de falar. 

Um livro impossível

A primeira parte do livro, intitulada “Depois do Nome”, vai dar conta de nos apresentar a história de Layla que, aparentemente, cresceu como uma garota comum. Isso até que, depois de uma briga com sua irmã, decide não mais falar. É uma escolha arbitrária. Por um tempo, os próprios pais da menina acreditam que ela, eventualmente, voltará a falar, o que  não acontece.

O acontecimento então causa converseiro entre todos, desperta curiosidade de médicos, psiquiatras, linguistas e demais cientistas. Neste primeiro momento, conhecemos Layla por depoimentos pontuais desses profissionais, amigos e conhecidos da menina

que narram, como se para uma reportagem, pequenos depoimentos sobre o fato. 

Narra-se que Layla permanece anos e décadas sem falar, até que, por situações específicas que cabe ao leitor descobrir, ela volta a falar. Quando volta a falar, fala por sete noites (um oposto ao ato de criação do mundo na narrativa bíblica que, não por coincidência, se dá por meio da fala, da palavra, por sete dias, sendo o sétimo o dia do descanso). 

A segunda parte do livro, que é propriamente o “Livro sem nome” , dá conta de nos apresentar o que é dito por Layla. Esse conteúdo são, precisamente, minicontos aparentemente desconexos. São histórias esparsas de aventuras impossíveis de fantasias que, como parábolas, parecem ter o principal objetivo de nos fazer refletir. 

Nisso se unem essas narrativas curtas e pontuais: elas parecem querer dar conta de falar sobre aquilo que é impossível dizer ou, mais precisamente, sobre o impossível em si. São histórias que falam sobre a fala, sobre aquilo que não é.

Os minicontos, que raramente ultrapassam mais que um parágrafo, estão envoltos em névoa, nunca permitindo que cheguemos perto demais a ponto de entender. Assim, nota-se que existe muito mais a pretensão do narrador em sugerir que em informar. Trata-se de um exercício de pensamento e reflexão sobre a linguagem e a essência de todas as coisas.

‘A Incompreensão do texto’

(continua após a imagem)

O escritor argentino Jorge Luis Borges (Foto: reprodução)

Ao longo de todo o livro fica muito claro que existe sobre o autor uma importante influência de Borges, o que suspeitamos desde a epígrafe do livro que é uma afirmação do autor argentino. Eu fico um pouco preocupado com referências muito claras e diálogos assim tão assumidamente abertos de um autor com outro, mas entendo que essa é uma preferência minha. 

Borges, bem sabemos, dominava a estrutura da ficção e conseguia inserir meditações metafísicas com muita facilidade dentro do texto, coisa que Paulo Henrique Passos compartilha. “Livro Sem Nome” conseguirá agradar leitores de Borges, sobretudo porque existe uma conexão que, ao menos para mim, ficou clara com alguns contos de “O Aleph”, especialmente com “O Imortal” e o próprio conto que dá título ao livro. 

Percebe-se, então, que é um livro que fala diretamente com um público específico. Se você gosta de histórias que beiram o absurdo e que sejam capazes de gerar em você o imediato estranhamento perante a própria vida, “Livro Sem Nome” é um livro para você, assim como foi para mim.

O exercício da imaginação nos minicontos tão criativos e surpreendentes faz com que você se veja na dúvida entre seguir lendo sem parar e parar para decifrar cada texto como quem se debruça sobre um quebra-cabeças. São minicontos originais, de escrita primorosa de um autor que te prova, a todo tempo, que ele é um escritor que entende da estrutura da ficção.

Ao mesmo tempo, a leitura densa e profundamente filosófica pode deixar o ritmo de leitura bastante truncado e maçante. Por vezes me vi tendo que abandonar um miniconto para então voltar a lê-lo depois. Há, é claro, certo mérito ao autor em proporcionar isso. Em tempos de leituras fáceis, percebo que Paulo Henrique Passos está mais interessado em buscar leitores que gostam de desafios. Como diz meu amigo e editor da O Odisseu Caio Paiva Ribeiro, a “incompreensão do texto” também tem importante função.

O que pode ser dito?

Percebi, quando sentei para escrever a resenha, que tudo o que anotei sobre o livro parece dar mais conta de reflexões que eu tive a partir da leitura que sobre o livro em si. A leitura suscitou muitos e importantes pensamentos sobre a nossa própria humanidade e como nós, enquanto seres que se constituem a partir da comunicação, perdemos a nossa humanidade na ausência completa da comunicação.

O que eu posso dizer sobre “Livro Sem Nome” é que se trata precisamente de

um livro sobre a despersonalização e a desrealização, patologias que parecem dar conta de explicar o que Layla experimenta uma vez que se despe de sua fala para ouvir o que diz o silêncio. Nesse sentido, é uma obra que segue a tradição de romances como “A Paixão Segundo G.H”, de Clarice Lispector. 

Tudo o que eu anotei sobre o livro daria um ótimo ensaio filosófico e essa resenha (ou não resenha) parece se caminhar para isso à medida que o escrevo. Acho que o livro vem num bom momento em que temos experimentado ficções cada vez menos desafiadoras e é ótima apresentação do autor que também se mostra alguém comprometido com o exercício da narração. 

Eu apenas fico preocupado com o caminho em que textos como esse parecem trilhar. Eu gosto da coisa joyceana

de desmontar estruturas e rever paradigmas, mas também entendo que a estrutura do romance faz sentido para conduzir o leitor até a reflexão que interessa. 

É um fato que muitos autores se aventuram por diferentes formas de narrar por acreditar que a originalidade seja sempre sinônimo de qualidade. A invenção dentro da ficção tem o seu espaço, mas eu consigo ser bastante aristotélico para pensar que é preciso ser minimamente apegado ao molde para que a leitura flua bem.

Esse não é o caso deste nosso autor. Como mencionei, ele claramente sabe a estrutura clássica de um romance e consegue usá-la a seu favor mesmo num texto que consegue ser bastante inventivo. Só que aqui a inovação vem na medida certa. Após essa leitura, fico muito curioso por saber quais caminhos o autor seguirá pois, ficou claro para mim, que nós ainda ouviremos falar muito de Paulo Henrique Passos.

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