Em entrevista exclusiva para a revista O Odisseu, Paulo Henrique Passos conta um pouco sobre o processo de escrita de ‘Livro Sem Nome’ (Patuá, 2023), seu primeiro romance.
Na quarta capa de ‘Livro Sem Nome’, primeiro romance de Paulo Henrique Passos que sai pela Patuá, há um blurb de Assis Brasil que apresenta o autor como “uma das melhores vozes da nossa literatura”. Ora, receber este elogio de Assis Brasil é para pouquíssimos! Fato é que Paulo Henrique Passos tem tudo para ser um autor nacionalmente conhecido e amplamente consumido nos próximos anos.
Sua prosa é vistosa e apresenta ao leitor reflexões profundas a partir de provocações simples. Além disso, a própria ideia de “Livro Sem Nome” é, em sim tão fantástica e poderosa que se apresenta sempre como um convite irresistível. Por isso, não deixaria passar a oportunidade de entrevistar Paulo Henrique Passos.
Inicialmente, essa entrevista seria para o Podcast, mas o Fado, nosso quase sempre aminimigo, não pertiu. Pois bem, temos o que temos e a entrevista escrita é tão boa e abre espaço para tanta reflexão que não perdemos em nada (não havia como perder). Confira a seguir as perguntas que fiz ao Paulo.
‘O título do livro surgiu da ausência de um título’, diz Paulo Henrique Passos, autor de ‘Livro Sem Nome’
Ewerton: É difícil, para quem se aventurar a ler ‘Livro Sem Nome’ apenas com as informações contidas na orelha e quarta capa, compreender o que de fato se propõe o livro (ao menos foi assim para mim). Por isso, se você pudesse apresentar ‘Livro Sem Nome’ para quem não conhece nada sobre a história, o que você diria?
Paulo: Nos textos de orelha e da quarta capa, não há mesmo a sinopse do livro, que pode dar uma compreensão melhor sobre o que é o livro. Não vou reproduzir a sinopse aqui, mas o Livro sem nome é um romance sobre o poder do silêncio e sobre o poder de romper o silêncio. Conta a história de Layla, que aos 12 anos para de falar por escolha própria e só volta a pronunciar alguma palavra 73 anos depois. Nesse tempo, ela sente as consequências radicais de se exilar da própria língua: todo o seu contato com o mundo mediado pela língua portuguesa é suspenso. Família e amigos já não podem ajudar. Quando enfim volta a falar, ela conta o que ouviu “do silêncio em secreto”, que são as histórias que estão na segunda parte do livro. Livro sem nome é também um livro que fala sobre as potências e fragilidades da linguagem e traz à tona a ideia de que nós não temos controle sobre tudo ao nosso redor. Não controlamos, principalmente, o sentido das coisas.
Ewerton: Conte um pouco sobre como surgiu a ideia do livro.
Paulo: Como quase sempre acontece comigo, a ideia surgiu a partir do título. E curiosamente, confirmando o teor temático e estrutural do Livro sem nome – e só percebo isso agora – o título desse livro surgiu da ausência de um título. Numa anotação inicial para um futuro projeto de livro, rascunhei no computador umas ideias e salvei o arquivo como Livro sem nome, mas apenas pelo fato de ainda não ter um título. Depois, quando fui começar a trabalhar aquelas ideias rascunhadas, percebi que eu podia adotar Livro sem nome como título.
Ewerton: E sobre Layla? Quem é essa personagem? Como ela surge?
Paulo: Layla foi a maior e mais bela surpresa que já aconteceu na minha vida de escritor. Por pouco, a Layla não existiu. Eu já estava com cerca de 60% do Livro sem nome escrito quando a Layla apareceu. Livro sem nome seria um livro de minicontos fantásticos, essa era a ideia inicial. Mas enquanto escrevia os minicontos, que hoje compõem a segunda parte, uma presença começou a se repetir nas histórias sem que eu tivesse planejado. Eram os relatos que estão na primeira parte do livro (Depois do nome). Nessa hora, eu tive duas opções: ignorar essa presença e continuar com o projeto inicial ou ampliar essa voz. Mas eu não podia deixar de lado essa voz que surgiu de repente e de maneira tão forte. A Layla é responsável pelo formato do Livro sem nome. O nome dela vem da romanização da palavra noite em árabe e hebraico.
Ewerton: Gosto bastante da ambiguidade que o livro deixa quanto à sua autoria e também quanto à possível veracidade da história. Confesso que isso foi algo que me deixou com uma pulga atrás da orelha. O que você tem a dizer sobre isso?
Paulo: Os responsáveis mais evidentes por essa ambiguidade, que também me agrada muito como leitor e como escritor, são o prólogo e a primeira parte. O que se diz nessas duas partes tem um teor mais realista e palpável e de alguma maneira formam uma base de sustentação para as partes mais absurdas e insólitas que vêm depois. E tem o relato final da terceira parte (Antes do nome), que também cumpre essa função. E na primeira parte, dois autores aparecem falando, um que assim se chama e outro que é o responsável por organizar todo o livro. Mas fica a pergunta: não seria Layla a verdadeira autora?
‘Nunca me chamei dessa forma’, diz Paulo Henrique Passos ao ser apontado como um autor ‘borgiano’
Ewerton: A epígrafe de Borges, de certa forma, marca um território que permanece explícito em todo o seu texto: a influência do autor argentino. Você se considera um autor “borgiano”?
Paulo: Nunca me chamei dessa forma, mas sim. Borges, pelos seus contos, ensaios e poemas, me marca fortemente. Volto sempre a ele. Um amigo escritor, o Júlio César Bernardes, autor do livro de contos Onde as verdades nascem, numa resenha que fez no Instagram, ressaltou também a presença constante de Borges “nos labirintos que as pequenas histórias vão tecendo em busca desse mistério que é a língua”. Vale ver a resenha.
Ewerton: Como tem sido a recepção de “Livro Sem Nome”? O que você tem ouvido de seus leitores?
Paulo: A recepção está sendo muito boa! Os leitores têm escutado Layla com bastante atenção, o que me deixa muito feliz. Um bom exemplo é esse que eu citei na quinta pergunta, o Júlio César Bernardes. E outro leitor/ouvinte que também me surpreendeu foi um que eu não conhecia até ele entrar em contato comigo pelo Instagram, o Eduardo Alencar Ciarlini. A experiência dele de leitura foi justamente a que eu, como leitor, mais prezo, a da leitura suspensa, quando o livro nos leva a abandonar a leitura, a fechar o livro, tamanho o impacto que ele nos causa. Ele me disse: “Eu chego numas partes que eu leio e eu não consigo continuar, eu preciso parar e refletir, fechar o livro e digerir o que eu acabei de ler”. É justamente o que eu faço com os melhores livros que leio.
‘O que destaco dos cursos e oficinas, mais até do que o conteúdo deles, é a possibilidade de trocas com outros escritores e escritoras’, diz Paulo Henrique Passos sobre oficinas de escrita criativa
Ewerton: Você, bem como sua esposa Vanessa Passos, são autores muito comprometidos com o fazer da ficção. Em que medida estudar escrita contribui para a consolidação de uma voz narrativa?
Paulo: Sim, verdade. Sempre lemos um para o outro e trocamos opiniões e percepções sobre os nossos textos. A formação de um escritor acontece enquanto ele está vivo. Estudar escrita é uma parte importante dessa formação, que nesse caso pode acontecer na leitura de livros sobre escrita e em cursos e oficinas de escrita. Mas o que destaco dos cursos e oficinas, mais até do que o conteúdo deles, é a possibilidade de trocas com outros escritores e escritoras. Ler e comentar os textos dos parceiros de escrita, bem como ser lido e receber feedbacks, pode iluminar muito o nosso trabalho e abrir muitos caminhos. Tanto que um dos melhores livros sobre escrita que li foi Como contar um conto, que reproduz justamente as conversas da Oficina de roteiro conduzida por Gabriel García Márquez.
Ewerton: O que você tem escrito? O que podemos esperar para os próximos passos?
Paulo: Estou na fase embrionária de um projeto para um novo livro: anotando muito no celular e lendo muito sobre os temas que podem me ajudar a escrever. O que tenho por enquanto é um título, que pode ser provisório, e uma frase que pode ser a primeira. E depois de muitos anos escrevendo apenas no computador, nos últimos meses adotei um caderno em que tenho escrito, não o livro em si, mas reflexões sobre o que quero escrever. Está sendo um modo de descobrir o livro antes de ele nascer, de aprofundar as questões que podem aparecer no livro. Nunca tinha feito isso, e está sendo revelador.
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