A vida flui, de fato, na soma das trivialidades que compõem nossa trajetória por aqui. Guardar, com carinho, a foto da recordação física de um momento aparentemente banal, mas que carrega em si enorme significado afetivo, embora irrelevante para a coletividade, é de extrema importância para quem dele desfrutou.
Pelotas, minha cidade natal, é a capital nacional do doce. O título, conferido por lei, é referendado pelo paladar de quem já provou as maravilhas produzidas pelas mãos hábeis das doceiras pelotenses, que adaptaram tradicionais receitas portuguesas, transmitidas através das gerações, para criar sobremesas de sabor peculiar e marcante. A cidade, situada no extremo sul do país, às margens da Lagoa dos Patos, abriga também, além de suas lindas confeitarias, outra atração única: o Museu das Coisas Banais. O espaço é virtual, aberto ao público e tem a finalidade de catalogar objetos com valor biográfico. Qualquer interessado, ao acessar a página na internet, pode registrar a fotografia, seguida de um breve comentário explicativo, daquilo que deseja guardar no acervo do museu.
Hoje, ao pensar nos primeiros parágrafos para esta coluna, lembrei da grandeza das “coisas banais”. Talvez porque, na crônica, a escrita assume sempre um tom coloquial o que, em muitas ocasiões, aproxima seu conteúdo da simplicidade diária do cotidiano. Há em todos nós, em maior ou menor escala, um desejo de realizar grandes feitos, deixar um legado, escrever o melhor livro, fazer bons discursos, construir sonhos e finalizar audaciosos projetos. Mas, entre planos e realizações, a vida acontece mesmo na soma de pequenos fragmentos de tempo que serão bem aproveitados ou não, a depender de nossa sensibilidade. A vida flui, de fato, na soma das trivialidades que compõem nossa trajetória por aqui. Guardar, com carinho, a foto da recordação física de um momento aparentemente banal, mas que carrega em si enorme significado afetivo, embora irrelevante para a coletividade, é de extrema importância para quem dele desfrutou.
O cronista, ao trazer para o papel assuntos triviais, faz um pouco esse recorte. Eterniza, através da palavra, fatos ou instantes aparentemente banais, mas que trazem consigo a capacidade de desenhar um determinado momento histórico. Cria-se, assim, a partir da linguagem e do tema tratado, um texto vivo e pulsante, que vai refletir, de certa forma, o eco de uma época e seus costumes. Por outro lado, se em um romance ou livro de contos, o processo de escrita completa-se na última página, na crônica há, com o leitor, um diálogo em construção, mais ou menos intenso, conforme a regularidade da publicação. Uma verdadeira prosa, marcada pela pluralidade de assuntos e abordagens.
“Nos textos ficcionais, para compor a história, o escritor precisa travestir-se com a personalidade e as características de seus personagens; como cronista, ao contrário, ele irá desnudar-se”, Luciana Konradt
Além disso, nos textos ficcionais, para compor a história, o escritor precisa travestir-se com a personalidade e as características de seus personagens; como cronista, ao contrário, ele irá desnudar-se. Ao escrever com sua própria voz, sem máscaras ou roupagens e de forma contínua, ele vai compartilhar suas próprias convicções, seus sentimentos, princípios, suas crenças e ideias. Acabará por revelar-se, aos poucos, fazendo com que o leitor mais assíduo passe a conhecê-lo e desenvolva, com ele, uma relação de quase intimidade.
Todas essas considerações, porém, não tem sentido se, ao escrever, não agregarmos componentes fundamentais, como o amor à palavra, a emoção (o que irá nos diferenciar das obras criadas pela Inteligência Artificial), a concisão na forma, a autenticidade e a transparência no conteúdo.
Assumo o desafio de estar aqui, a cada quinzena, com o propósito de fazer desta coluna um espaço plural. Um prisma entre o clássico e o prosaico. Ao leitor, vou oferecer mais dúvidas do que certezas; mais questionamentos do que afirmações. Não esperem de mim fórmulas prontas de felicidade ou frases feitas disfarçadas de conselhos. Se, por um lado, revelarei indignação diante das mazelas sociais, tampouco, serei mensageira da desesperança, porque ainda conservo a fé na capacidade de evolução da humanidade. Porque, mesmo que pareça descabida diante da realidade, guardo, também, em mim, certa capacidade de encantamento com o mundo ao meu redor. Certa esperança, talvez utópica, em um futuro melhor, mais justo e igualitário. Começo, pois, com uma única certeza: deixarei aqui meu melhor esforço e minha palavra mais simples e verdadeira.
E espero que, de nossa convivência quinzenal, nesta coluna, resulte uma vasta conversa boa.
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