Em “Pela Hora da Morte” (Editora Jandaíra, 2022), Nathallia Protazio nos pega em cheio com perguntas que muitas vezes evitamos durante o período da pandemia.
Terminei de ler Pela hora da morte todo arrepiado. São várias lembranças que as crônicas de Nathallia Protazio suscitaram. Desde aquelas tristes, como as mortes de amigos e parentes que não tiveram chance de se vacinar, até aquele alegre reconhecimento de não estar sozinho, pois uma coisa é certa, atravessamos todos o pesadelo que foi a pandemia e estamos diferentes.
Nathallia tem uma verve de humor que me arrancou alguns sorrisos, como na crônica “Casa nova I”, em que acompanhei a sua saga do fogão. Lembrei de um episódio semelhante que vivi nessa época também. Eu até “tinha” o tal fogão, mas o dono levou as bocas, de modo que não havia como usar. Na época ainda morava com minha irmã e ela saiu — com máscara de pano (ela mesma costurou), pois não tinham máscaras nas farmácias por aqui —, pegou um busão até a Sete Portas, e, para nossa alegria, conseguiu comprar as bocas novas no Rei dos Fogões.
As crônicas de Nathallia, no entanto, são mais voltadas para outros sentimentos. Em algumas, fiquei com um nó na garganta. A primeira crônica, “Balcão de farmácia”, me arrancou lágrimas nas três vezes que li. Sim, algumas das crônicas desse livro são belos convites ao retorno. A concisão da escrita, o uso que a autora faz das palavras… Você atravessa e quer voltar, reviver aquelas frases.
Em algum momento, na crônica “Informação”, fui impelido a pegar o lápis e passar uma linha embaixo das seguintes frases: “Comunicar-se passa muito além da troca de alguns caracteres. O nosso corpo inteiro fala e o aplicativo não mostra isso, nem em chamada de vídeo.” (p.70).
E depois, logo abaixo, coloquei colchetes no seguinte Trecho:
[“Oi, tudo bem?” “Tudo, e você?” “Tudo ótimo”. Que tri. Como sobreviverão essas novas relações? Nascerão amizades desses convívios virtuais? Amores?]
Nathallia Protazio nos pega em cheio com perguntas que muitas vezes evitamos durante esse período. Para não nos cobrarmos demais? Para manter algum grau de saúde mental? Se é que isso tenha sido possível nesse período.
Em 2021 eu engordei. Parei de fazer caminhadas. Antes, até o final de 2020, pegava minha máscara, fone de ouvido, e ia pro asfalto. Encontrava as mesmas pessoas todos os dias. Claro que, mesmo todo mundo usando máscaras, e num local aberto, não havia contato. Quando muito um olhar, um cumprimento ou um aceno. Quando o ano virou minha saúde mental já estava aos frangalhos. Não tinha quase força nenhuma para nada que não fosse escrever. Passava então o dia todo na frente do computador. Às vezes, por muita insistência da minha mãe, com quem eu passei a morar nessa época, dava umas corridinhas na frente de casa ouvindo podcast ou audiobooks.
Minhas experiências durante esses anos foram diferentes da de Nathallia. E isso é muito interessante para o eu-leitor, uma vez que posso reconhecer a possibilidade de vida. E, sabendo ainda, que o que entra na crônica é um recorte, a elaboração de um episódio, me sinto ainda esperançoso.
Felizmente não tive vizinhança chata. Não tive que trocar areia de gato. Não precisei fazer teste rápido. Mas eu bebi. E bebi muito. A crônica é um pouco isso. Se você encontra a diferença numa esquina, você encontra a identificação em outra, de preferência na mesa com uma cerveja bem gelada e uma dose de pinga.
A música. Não posso deixar de falar disso.
Nathallia traz algumas músicas aqui. Creio que algumas delas tenham sido presença constante nos seus ouvidos. Para mim, tomar cerveja assistindo live era a minha versão do samba clandestino que eu não pude ir.
As crônicas do livro Pela hora da morte nos lembram que “não há fumaça que resista aos ventos da mudança”. E que bom estarmos vivos para poder pensar sobre tudo isso. E não só pensar. Viver. Viver. Viver.
Mesmo que viver seja caro…
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