Editores e colunistas da revista O Odisseu se reúnem a escritores, pesquisadores e professores de literatura para construir coletivamente uma lista de melhores livros nacionais de 2024.
Como escolher os melhores livros de um ano? Nós da revista O Odisseu decidimos selecionar os livros que mais nos tocaram pela qualidade literária e impacto no cenário editorial brasileiro. Para isso, colunistas e editores se juntaram a pesquisadores, escritores e professores de literatura para votar em livros lançados em 2024.
A votação consistiu da seguinte forma: cada jurado tinha a possibilidade de escolher dois livros de ficção em prosa e dois livros de poesia, além de um livro de não-ficção (ensaio, crítica literária, biografia e etc.). Todos os livros mencionados, mesmo os que tiveram apenas um voto, estão nesta lista, mas nós iremos dar destaque aos três que receberam mais votos nas categorias selecionadas, sem recorrer a uma ideia de pódio (que não é o nosso interesse!).
Os Melhores Livros Nacionais de 2024 – Prosa
Mais Votados – Prosa
Os mais votados, em ordem alfabética, foram:
Motel Mustang – Marcus Vinícius Rodrigues (P55 Edição, 124 pp.)
O livro é inspirado na tragédia real ocorrida em 19 de maio de 1989 em decorrência das fortes chuvas que afetavam a cidade de Salvador, Bahia. Trinta toneladas de terra do morro da Boa Vista do Lobato desabaram sobre o Motel Mustang, localizado na Avenida Suburbana, acarretando a morte de nove pessoas, entre casais, funcionários e até os donos. A partir dessa trágica notícia e após uma série de pesquisas, o autor Marcus Vinícius Rodrigues desenvolveu os seis contos do livro Motel Mustang, que narram as histórias de personagens fictícios ao redor do mesmo acontecimento.
O Embranquecimento – Evandro Cruz Silva (Patuá, 182 pp.)
Nesta sua novela, cujo título não poderia ser mais forte e emblemático, encontramos muitas camadas de uma questão ainda não suficientemente enfrentada e debatida entre nós: o ideal do branqueamento do território brasileiro. Na trama apresentada, descobrem-se camadas, receios e intimidades, contrastes e vestígios, que se resolvem e, ao mesmo tempo, se complexificam no plano ético dos laços familiares – envolvendo as simbologias e perversidades em torno do quadro A redenção de Cam, do pintor espanhol Modesco Brocos.
Virgínia Mordida – Jeovanna Vieira (Companhia das Letras, 192 pp.)
Virgínia é uma carioca convicta radicada em São Paulo, que trabalha como advogada de dia e desfruta da cidade à noite. Certa vez, no Aparelha Luzia, encontra Henrí, um ator argentino que ela conhecia de vista, com quem tem uma conexão imediata. Mas é apenas questão de tempo até que aquele relacionamento tão intenso ganhe contornos nocivos, acentuados por diferenças culturais, de gênero e de raça. E, enquanto os flashbacks mostram a história dos dois, uma celebração no Bosque da Saúde vira o palco de uma série de eventos que colocará o namoro deles inteiro em perspectiva.
Narrado com capítulos curtos em um ritmo vertiginoso, Jeovanna Vieira constrói uma obra de estreia aterradora, que explora a complexidade humana em todas as suas formas: nossas fragilidades e nossos defeitos, a capacidade que temos de infligir dor em nome do amor e, sobretudo, o poder de sermos resgatados, mesmo quando nos falta coragem.
Todos os livros votados na categoria prosa
Todos os livros votados em ordem alfabética:
A árvore mais sozinha do mundo – Mariana Salomão Carrara (Todavia, 208 pp.)
Em uma pequena roça no Sul do país, a vida segue o seu curso. O cultivo do tabaco dá sustento a Guerlinda, Carlos e seus filhos, que dia após dia enfrentam as oscilações da natureza, esguichando venenos e adubando as vergas para que as folhas cresçam e atinjam a qualidade ideal. Na angústia da espera ― e em meio a investidas das poderosas empresas que dominam o mercado fumicultor ―, ainda é preciso decifrar os códigos da infância e da adolescência e aprender a complexa linguagem do amor.
Ação de Animais – Wladimir Cazé (Urutau, 88 pp.)
Em uma pequena roça no Sul do país, a vida segue o seu curso. O cultivo do tabaco dá sustento a Guerlinda, Carlos e seus filhos, que dia após dia enfrentam as oscilações da natureza, esguichando venenos e adubando as vergas para que as folhas cresçam e atinjam a qualidade ideal. Na angústia da espera ― e em meio a investidas das poderosas empresas que dominam o mercado fumicultor ―, ainda é preciso decifrar os códigos da infância e da adolescência e aprender a complexa linguagem do amor.
A Invenção de Santa Cruz – Pawlo Cidade (Editora do Teatro Popular de Ilhéus)
ÀS VÉSPERAS DE COMPLETAR 500 ANOS, Santa Cruz, a cidade que ainda insiste em ser chamada de povoado, vive dias de calamidade e corrupção: seca, pestes e eleições. Habitada por personagens que parecem ter saído do Auto da Barca do Inferno, cada um com sua iniquidade e sua alegação, em seu jeito e trejeito, em sua cor e costume, sem tirar nem pôr, moradores de um povoado que um dia o mar haveria de engolir. Mas até lá — repetia Mariazinha Linguado — a gente vira peixe!
A mulher de dois esqueletos – Julia Dantas (Dublinense, 160 pp.)
Uma mulher se aproxima dos quarenta anos e se depara com questões que definirão o seu futuro. Entre elas, um dilema fundamental: haverá espaço numa só vida para se dedicar de verdade à criação de um filho e à criação artística? Neste romance híbrido, Julia Dantas constrói um jogo duplo, no qual a ideia de ter um filho interfere nas ambições artísticas de uma escritora ao mesmo tempo em que o desejo de viver da arte afeta suas possíveis ambições maternas. Entre dilemas existenciais e conflitos da vida prática, adentramos o espaço mental de uma narradora que é às vezes marcado pelo delírio e às vezes resultado de afiada lucidez.
Avenida Beberibe – Claudia Cavalcanti (Fósforo, 88 pp.)
Na extensa e sinuosa avenida Beberibe, no Recife, uma casa com jardim frondoso é o cenário da infância de várias gerações. Ela também é o ponto de partida deste romance inventivo, que retoma e renova a tradição memorialística brasileira ao lançar mão do recurso fotográfico como parte constitutiva do texto. Nessa narrativa de filiação parcialmente ficcional, eventos da história do país e da vida pública do Recife ― como a perseguição da ditadura militar a seus oponentes e a passagem do Graf Zeppelin em 1930 ― se mesclam a lembranças da neta dos donos da casa que, meio século mais tarde, se debruça sobre as relações sociais latentes no seio do próprio lar.
Bambino a Roma – Chico Buarque (Companhia das Letras, 168 pp.)
Via San Marino, 12. No primeiro andar do prédio baixo e amarelo, o menino traça rotas no mapa-múndi que cobre a parede do quarto. A náusea sentida durante a navegação do Brasil à Itália ficara para trás e as viagens cartográficas vão sendo deslocadas, em escala menor, para os percursos pelas ruas de uma cidade a ser descoberta. Reminiscências diversas compõem esse trajeto: as primeiras manifestações do desejo; as partidas no gol a gol com Amadeo, o filho do quitandeiro; a escola e suas fugas; cartas, bilhetes e romance, toda uma escrita endereçada a Sandy L., sua paixão juvenil; a dor da apendicite.
Em sua bicicleta niquelada com pneus brancos, Chico Buarque faz o zigue-zague por Roma, solta às vezes a mão do guidom e ensaia um equilíbrio fino entre lembrança e imaginação. Nesse passeio delicado, vislumbres da relação com o pai, a mãe e os irmãos somam-se às experiências formativas projetadas por um narrador às voltas com o passado.
De Onde eles Vêm – Jeferson Tenório (Companhia das Letras, 208 pp.)
De onde eles vêm tem como pano de fundo o ingresso dos primeiros cotistas na universidade brasileira. Na história, que se passa em Porto Alegre, por volta dos anos 2000, acompanhamos o despertar racial do narrador, Joaquim, em meio a um ambiente hostil. Órfão, tendo que cuidar da avó doente, desempregado e sem dinheiro, Joaquim busca a todo custo manter seu amor pelos livros e pela literatura. Romance de formação de um leitor, este é o retrato de uma jornada feita de obstáculos num momento em que políticas para amenizar desigualdades eram vistas como problema, não como possibilidade de solução.
Desertos do real – Bruno Pacífico (Editora Córrego)
Cada conto apresenta histórias distintas de personagens que enfrentam os perigos em meio às mudanças sociais e a decadência institucional. A obra também vem acompanhada de um manifesto estético que tem a finalidade de apresentar a emergência de um novo subgênero: a Antidistopia (Texto: reprodução Portal do Generoso).
Fúria Talvez – Dênisson Padilha Filho (P55 Edição, 120pp.)
Uma menina insiste para que seu tio-avô saia do sol enquanto a roupa seca, mas ele só quer contar a ela sobre suas aventuras de infância. Dois amigos em um bar se despedem na véspera da viagem de um deles, que vai morar no México. Entre uma dose e outra, alguns segredos se revelam. Um viajante estaciona em um restaurante de estrada e, enquanto almoça, decide mudar de vida, mesmo que não saiba fazer nada além de domar cavalos. Depois de ser dispensado pela namorada, aonde quer que vá um homem só consegue avistar pelo retrovisor um tipo de carro: o da sua ex. Uma mulher tenta alguns minutos de sossego no banco de uma praça. Um estranho tenta conversar, sem saber que ela não é uma pessoa qualquer. Situações comuns vividas por pessoas comuns se convertem em caos e espanto justamente porque da sua banalidade nascem situações insólitas. Assim se desenrolam os contos que integram Fúria talvez.
Krakatoa – Verônica Stigger (Todavia, 176pp.)
Neste livro vertiginoso e irresistível em sua mistura de fabulação, invenção, observação pessoal e mito, Veronica Stigger se impõe como uma das vozes mais originais da ficção em língua portuguesa. Krakatoa é uma obra atravessada por personagens telúricos e cósmicos, elementares: a terra e o sol, o fogo e a água, o vento e a tempestade, o carvão e o petróleo, o pântano, o tsunami. A autora confirma seu lugar como mestra em produzir a “inquietante estranheza” por meio de uma orquestração sutil do discurso originário do mito com o cotidiano mais contemporâneo.
Mariconas – Euler Lopes (Caos e Letras, 136pp.)
Escritora e dramaturga, Euler Lopes chega à Caos & Letras com seu elogiado romance de estreia. Finalista do Prêmio Cidade de Belo Horizonte, Mariconas traz a história do trio de amigues Ira, Gil e Erê. Ambientada em Aracaju, no Sergipe, a narrativa alterna as vozes das três personagens. Cada uma delas vive um dilema que se relaciona com o envelhecimento e a solidão que perpassa a vida gay masculina em sua faixa etária.
Nas palavras da autora, “Mariconas é um texto sobre como o envelhecer gay pode ser solitário, decadente, mas ainda procura a purpurina para brilhar antes da morte chegar”.
Atravessam o romance as memórias da epidemia de HIV/AIDS, o avanço do movimento LGBTQIA+ e a ditadura militar.
Melhor não contar – Tatiana Salem Levy (Todavia, 224pp.)
Melhor não contar abre com uma cena iniciática: aos dez anos, a protagonista relaxa numa piscina, na companhia da mãe e do padrasto. Sem ter chegado ainda à puberdade, se desfaz da parte de cima do biquíni e desfruta da inocência sob o sol e o vento. O sossego é interrompido quando o padrasto, um aclamado cineasta, apresenta o esboço do desenho de observação que fizera há pouco ― ali está a menina, retratada naquele momento, com um detalhe que foi impossível passar desapercebido: “Seus mamilos, apontando um para cada extremidade do papel, chamam a atenção. Há mais tinta neles, foram desenhados com força. Estão eretos, reparo”. Esse acontecimento marcaria o fim da infância daquela menina, filha de uma intelectual e jornalista pioneira, uma mulher de espírito e vitalidade incomuns.
Neca: Romance em Bajubá – Amara Moira (Companhia das Letras, 120pp.)
Neste livro inteiramente escrito na língua das bichas, uma travesti reencontra um antigo amor, anos mais jovem, que está começando a trabalhar nas ruas. Enquanto entrelaça conselhos e lembranças, ela rememora suas aventuras como prostituta no Brasil e na Europa; fala sobre o que descobriu e conheceu sendo puta; recorda o que desejava ser e sonha com o que poderia ter sido.
Na época em que namoravam, a jovem debutante estudava Letras, o que motiva a protagonista a falar de literatura como parte de sua história juntas. Numa prosa vulcânica, passa em revista obras e autores centrais do cânone, aplicando também sua memória e sua inventividade para ver a literatura com olhos de quem aprendeu tudo na rua, como se aprende o bajubá.
Nostalgias Canibais – Odorico Leal (Âyiné, 110pp.)
Revisitando a história do Brasil, do período colonial até a recente polarização dos embates políticos, o livro de estreia de Odorico Leal tateia com humor temas sensíveis, em diálogo com a sátira e o farsesco. Enquanto certa nostalgia celebra nossa memória artística, vemos despontar um futuro imaginado e disruptivo que promete um acerto de contas com o passado. Estas novelas e contos dão a ver a habilidade narrativa de Leal, que experimenta os terrenos entre o realismo e o fantástico com gestos originais, atento aos usos e metamorfoses do idioma. Nostalgias canibais é um livro fértil, vertiginoso, que revela um novo talento da literatura brasileira.
Seul, São Paulo – Gabriel Mamani Magne (Todavia, 152pp.)
Final da Copa América de 1997, Brasil contra Bolívia. É nesse dia, em São Paulo, durante a partida, que nasce Tayson Pacsi, filho de bolivianos que emigraram para a capital paulista para trabalhar em uma das tantas oficinas de costura e tentar melhorar de vida. A infância de Tayson, segundo seu primo, o afiado narrador deste romance, foi “uma batalha constante entre a língua dos seus pais e a língua do seu passaporte”. Dezessete anos mais tarde, porém, a família de Tayson volta mais rica para El Alto, na Bolívia, e os dois primos frequentam o serviço pré-militar, obrigatório para todos os adolescentes.
Seul, São Paulo – Gabriel Mamani Magne (Caos e Letras, 120pp.)
Um rio corre dentro do meu sonho reúne textos curtos, sem título, pequenas crônicas poéticas que partem das memórias do escritor e ator, da paixão pela arte encarnada do teatro, da escrita do corpo, do relato onírico que dá sentido poético ao cotidiano, do amor pelos livros e pelas bibliotecas em labirinto, da infância vivida junto aos avós agricultores no interior do Rio Grande do Sul, da vida dos avós permeada pelo ciclo das enchentes do rio Taquari que levou embora os vestidos de seda da avó, das águas que insistem em invadir os sonhos do neto, que o chamam, como um rio de origem.
Melhores livros nacionais de 2024 – Poesia
Mais Votados – Poesia
Inferninho – Natasha Felix (Círculo de Poemas, 40pp.)
Em Inferninho, a artista remixa fragmentos da experiência ao longo de doze dias em Luanda e sua pesquisa em torno da performance, a partir do desejo de “fazer o poema rebolar”. Não por acaso, a palavra disparadora dessa cena construída no livro é “apupú”, uma gíria angolana ― nascida na cultura do kuduro ― para “festa”, “rolê”. A plaquete desdobra a performance Apupú, em que poetas e artistas da dança, da música e do teatro se encontram para trançar as relações entre Brasil e Angola no som, na voz, no corpo. Dançando entre as palavras de Inferninho, não são poucas as vezes em que ouvimos a voz da poeta vindo de longe das páginas.
Muvuca – Jorge Augusto (paraLeLo13S, 40pp.)
O caminho percorrido em “Muvuca” questiona a própria natureza da poesia e o Poeta se coloca contra a parede: por que escrevo? A essência do fazer poético se articula nos poemas de Jorge, que é um autor com um projeto estético consistente. Ora utilizando rimas externas e internas, ora com assonâncias e recursos estilísticos que vão do verso livre ao soneto, Jorge explora as possibilidades da poesia que culminam em um livro que consegue ser muita coisa. A pluralidade de temas e formas em “Muvuca” só pode ser explicada pela ótica da “encruzilhada”.
Poesia Reunida – Maria Lúcia Alvim (re.li.cá.rio, 564pp.)
Esta Poesia reunida, de Maria Lúcia Alvim, traz o arco completo de sua produção poética ao longo de aproximadamente seis décadas, reunindo as obras XX sonetos (1959), Coração incólume (1968), Pose (1968), Romanceiro de Dona Beja (1979) e A rosa malvada (1980). Na década de 1990, toda essa produção foi reunida em Vivenda: 1959-1989 (1990), volume que integra a coleção Claro Enigma. Também fazem parte do volume Batendo pasto (de 1982 e publicado pela Relicário em 2020 | Prêmio Jabuti 2021) e os inéditos Rabo do olho (1992) e Sala de branco (2010), além de poemas esparsos. A edição conta com apresentação de Juliana Veloso, perfil biográfico da poeta por Guilherme Gontijo Flores e texto de orelha de Ricardo Domeneck.
Todos os livros votados na categoria poesia
Todos os livros votados em ordem alfabética:
Asma – Adelaide Ivánova (Nós, 200pp.)
Vashti Setebestas é uma personagem que anda pela Terra atravessando o tempo, transmutando-se em muitas entidades, muitos corpos e muitos povos. Pelo caminho, é perseguida pela opressão de uma narrativa histórica escrita pelos homens. ASMA é um livro radical para tempos radicais, de Adelaide Ivánova, um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea. Um projeto caleidoscópico, que vai de Homero a Virginia Woolf, de Chico Science a Ferreira Gullar.
Borrasca – Rita Santana (Villa Olívia Artes &Livros)
Borrasca registra (e ultrapassa) o tempo onde fortes ventos e uma chuva violenta tomaram conta do país e da vida íntima de todos que sofreram a tormenta. Os 36 poemas de seu novo livro traduzem a dimensão dessa tempestade. Nele, Rita Santana se utiliza de uma linguagem clara e fecunda como a água, construindo versos embebidos de música, ousadia e rigor formal. Não por acaso, seu ritmo é polifônico, seus temas se entrelaçam tanto na urgência quanto no descanso da luta. Borrasca é uma declaração de amor à Arte e à vida. Há poemas dedicados a cineastas, atores, livros, autoras que nos reconduzem às obras originais e nos guiam a uma terceira margem, a uma possibilidade de ressignificação ou consolidação de sentimentos, de leituras. Rita Santana nos surpreender com seus novos poemas, onde evoca memórias que tanto podem ser autobiográficas quanto imaginárias. Dedica-se à construção de cada poema, como se fossem quadros para uma exposição e demonstra completo domínio do uso de linguagem, desenvolvendo-se com fluidez, elegância e belas surpresas.
Caos, Cosmo (Arribação, 130pp.)
Antônio Moura alerta logo no início da obra que alguns poemas deste livro foram escritos sob o impacto de certos acontecimentos do nosso passado recente. De fato, o leitor vai encontrar, neste livro, pegadas de um mundo asfixiado por uma pandemia, de um Brasil governado sob o signo da loucura.
Caramelo quer ver o mar – Tiago D. Oliveira (7letras, 92pp.)
Quem não convive com um cachorro acha muito estranha toda conversa sobre a inteligência e a sensibilidade dos animais. Ainda mais quando se tomam como referência esses outros e depilados seres que somos – humanos. Porque é fácil perceber que cachorros dominam artes que poucos de nós praticamos. Cães farejam com precisão, ouvem o quanto querem, sabem a linguagem da lambida, distinguem mil formas de morder, sorriem com o rabo, perguntam com os olhos e, de quebra, fazem naturalmente algo que é cada vez mais raro entre nós: os caramelos estão sempre plenamente onde estão.
Cova profunda é a boca das mulheres estranhas – Mar Becker (Círculo de poemas, 40pp.)
Nos poemas de cova profunda é a boca das mulheres estranhas, Becker nos arrasta para um terreno movediço, descortinado por versos que incorporam os gestos contidos e tensos com que a mãe, a irmã e as donas de casa que povoam sua Passo Fundo natal ― em que se espelham todas as “mulheres estranhas” de tantas outras cidades ― desafiam o silêncio brutal que as cerca e invade. Desde o título, a autora subverte os moldes religiosos em que a vida das mulheres tem sido forçada a caber. Nos versos, sob a gagueira e o medo, a timidez e o desajeito, é gestada uma espécie de sublevação, de vingança, que apenas a poesia, “inconsagrada hóstia”, sabe captar com perfeição.
Descoberto – Linauro Neto (Patuá)
Descoberto é a terceira obra de Linauro Neto. A coletânea de quadras tem como tema central a reflexão sobre o real e os desafios impostos para a sua compreensão: relações, metamorfoses, desprendimentos, interpretações, insurgências e a busca por tudo que seria essencial. O livro propõe a amálgama entre forma e conteúdo, entre a métrica das quadras e as vicissitudes que reclamam por liberdade.
Lugares onde eu não estou – Paloma Vidal (7letras, 200)
Estes lugares onde eu não estou trazem uma experiência literária plural: misto de crônica e diário, poesia e prosa, formam uma espécie de relato de viagem, com textos escritos na distração do instante, postados originalmente em blog no meio dos afazeres cotidianos. As quatro primeiras partes foram publicadas originalmente em livros separados – Durante e Dois em 2015; Wyoming e Menini em 2018 – e estão agora reunidas com mais duas seções inéditas – Dublês e Arranjos, num recorte de tempo que vai desde 2010 até 2017. A descoberta do mundo pelas crianças, as dúvidas e sonhos, o vivido e o imaginado, o visto e ouvido, tudo ganha um outro olhar nesses relatos ora profundos, ora singelos, que revelam uma inquietante familiaridade. É assim, quase sem querer, que Paloma Vidal segue, com talento e invenção, o fio de uma obra mais ampla – que não se fecha aqui, ao contrário: abre caminhos e espaços para novas descobertas, mais que literárias.
Palavra Nenhuma – Lilian Sais (Círculo de poemas, 40pp.)
Lilian Sais, em Palavra nenhuma, escreve como quem procura se reorientar dentro de si após o baque da despedida. Para lidar com a morte, ela volta ao próprio nascimento, o momento em que o pai lhe deu um nome que termina com “n de navio”. Embarcar nesse vínculo profundo com o pai é o início de uma jornada de afetos em que ela tenta reencontrar e reconstruir a memória da relação entre eles.
Poemas de outrora – Morgana Poiesis (Libertinagem)
O livro é uma coletânea de 36 poemas escritos pela autora entre 2003 e 2013, com uma apresentação da cineasta e escritora Bia Lile. Entre os poemas escritos no estão Impessoal, Viúva Negra, Flor de Sangue, Doce Fel, Cântico da Orquídea de Luz, Palavra Soprada, Infinitas Auroras, entre outros.
Esses poemas, explicou a escritora Morgana, foram escritos quando ela ainda era jovem. “Talvez por isso, inclusive, a capa tenha esse vermelho tão intenso, uma cor e um tom que foram escolhidos pela editora e que refletem bem a minha juventude.”
Quando um peixe abandona o verão – João Gravador (Minimalismos, 63pp.)
“A experimentação poética presente neste livro, entrelaça-se a referências que abrangem desde as artes visuais até o cinema, passando pela literatura e a música popular brasileira. À medida que percorremos esses escritos, nos deparamos com a presença do mistério que por vezes suspende a cotidianidade, permitindo o vislumbre de pequenas nuances que em alguns momentos se deixam cintilar um tanto mais, explorando os sentidos imaginativos e intuitivos de quem os lê”, Mirella Ferreira, poeta e artista multimídia.
Tapetes são cidades de dançar – Anna Lúcia Maestri (Devir poesia e prosa, 94pp.)
E se vivêssemos as ideias que nascem durante o banho? Anna Lúcia Maestri quer inventar um outro país onde as pessoas possam dançar diariamente com as palavras sem se preocupar com os ponteiros que contam os incansáveis minutos. A autora deste livro faz questão de marcar o tempo com o relógio orgânico que é a vida, com passos ligeiros, mas também demora seu olhar nos detalhes do cotidiano: percorre a cidade e percebe nela um mapa de sua própria escrita. Num ônibus lotado, o menino não desenhou um ônibus lotado, assim como Anna, que olha para a pedra e enxerga um universo a ser desvendado. Um universo, muitas vezes, animalesco. Tapetes são cidades de dançar é, sobretudo, o reino de formigas, joaninhas, cachorros, gatos, papagaios, maritacas, periquitos e tartarugas em dias ensolarados. Uma ode à zoopoética brasileira.
Melhores livros nacionais de 2024 – Não Ficção
Mais votados – Não Ficção
Os três livros de não-ficção mais votados em ordem alfabética:
Corpo de vento: Exu da teoria: travessias crítico-performativas pelas artes negras – Denise Carrascosa (EDUFBA, 260pp.)
O livro convida para uma roda de conversa sobre alguns modos de ser e de usar a literatura, um espaço de troca no qual ventos diversos circulam, injetando energias e estéticas variadas. Organizado em sete “giras” , desde o sumário, incita a pensar, raciocinar fora da linha reta e no interior de uma lógica que foge da rigidez de uma certa tradição teórica ocidental, sem desprezar o rigor ou a seriedade crítica. Textualidades literárias, proposições e reflexões teóricas são colocadas lado a lado para discutir temas muito caros à crítica literária contemporânea, tais como “a crise da representação”, pós-colonialidade, pós-escravismo, performances, racismo e direitos humanos, dentre outros. Os textos exploram conceito-fundamentos como Exu da teoria, encantoria, crítica performativa, odusciência, corpo movimento.
Lélia Gonzalez: Um Retrato – Sueli Carneiro (ZAHAR, 128pp.)
Cada vez mais lida, pesquisada e homenageada, Lélia Gonzalez tem se consolidado como uma referência fundamental no pensamento social brasileiro e na tradição radical negra. Diante da grandiosidade de seus feitos, é difícil não se perguntar, considerando as tantas Lélias que ficaram pelo caminho num país que lhes reservou, como dizia, a lata de lixo da sociedade brasileira: como ela conseguiu? Em Lélia Gonzalez: um retrato, Sueli Carneiro traça um perfil biográfico que parece contar a história de muitas mulheres negras no Brasil. Filha da classe trabalhadora em Belo Horizonte e com um irmão que fez sucesso como jogador no Flamengo, viabilizando sua mudança para o Rio de Janeiro, a trajetória de Lélia é ainda mais impressionante por ser trilhada num momento em que ainda não havia ações afirmativas.
Modernismo Negro: Literatura de Lima Barreto – Jorge Augusto (Segundo Selo, 438pp.)
“Moderno é saber o que não é mais possível. Esta concisa formulação de Roland Barthes para definir modernidade me parece valer tanto para o que diz respeito ao Estado-Nação como para o estado-da-arte literária. O crítico Alfredo Bosi fazia uma diferença didática entre um e outro, mas de um modo geral as análises parecem convergir para a posição de Barthes, o que é bem o caso desta tese de Jorge Augusto sobre modernismo negro. Centrado na obra de Lima Barreto, é o mais original dos trabalhos sobre o modernismo brasileiro que me acorrem à memória.[…]”, trecho da orelha do livro, assinada por Muniz Sodré.
Todos os livros votados na categoria não-ficção
Todos os livros votados em ordem alfabética:
Imagens da Branquitude: A presença da Ausência – Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras, 432pp.)
Em Imagens da branquitude , Lilia Moritz Schwarcz analisa uma iconografia múltipla, do século XVI ao presente, passando por mapas, monumentos públicos, fotografias, publicidade, e, a partir do exame detido desses testemunhos, identifica como são atravessados por práticas racistas, buscando “desnaturalizar” essas concepções.
Muito mais do que uma análise meramente iconográfica e recortada, esta é uma história, na longa duração, de como a branquitude se manifestou simbolicamente, em especial por meio da visualidade, de modo a estabilizar um ambiente de hierarquização ou estruturas de subordinação. A presença forte mas racialmente ausente dos brancos nesses registros visuais, com o decorrente pressuposto de que seriam o normal ou o intrinsecamente dominante, assoma como ponto central deste livro necessário, que nos convida a olhar para essa produção imagética e fazer o exercício de lê-la na contramão.
O Homem não existe: Maculinidade, desejo e ficção (ZAHAR, 416pp.)
Uma das coisas que só a ficção é capaz de nos proporcionar é a experiência de existir em um corpo que não é nosso e olhar o mundo a partir dele. Em O homem não existe , Ligia Gonçalves Diniz se propõe a esse exercício e abre um repertório de referências literárias e artísticas na tentativa não apenas de entender, mas de experimentar o papel de ser esse seu duplo.
Homero, Philip Roth, Tolstói, Maiakóvski, Ben Lerner, Montaigne, Paul Preciado e muitos outros nomes entram no rol de apreciações afetivas da autora. E é a partir da leitura de seus textos, sob uma ótica generosa e feminista, que ela se debruça sobre temas frequentes a respeito dos homens: a obsessão pelo pênis, a estetização da violência e da dor física, o fantasma ou a fantasia da guerra, o ímpeto ao movimento, a apreciação da força e da beleza e o ambíguo prazer sexual.
Práticas literárias do presente: Pós-Autonomia, Inespecificidade, Autoficção – Luciane Azevedo e Davi Lara (Organizadores) (EDUFBA, 286pp.)
Os textos reunidos neste livro abordam as práticas literárias do presente a partir de três noções-chave: pós-autonomia, inespecificidade e autoficção. Ao indagar o contemporâneo, as reflexões aqui apresentadas evitam fórmulas simplificadoras que veem no presente apenas uma repetição do passado ou que apostam na novidade absoluta. Ao invés disso, buscam manter um precário equilíbrio entre a aposta na diferença das formas artísticas do presente e simultaneamente acolher argumentos que tentam apreender o contemporâneo como lógica artístico-cultural dentro de uma temporalidade mais ampla. Composta por diversas vozes – que às vezes formam um coral em exercícios de autoria coletiva – e abordando um leque de autores e temas diversificados, esta publicação é um gesto que quer incentivar o diálogo e ampliar os ecos das discussões aqui empreendidas junto daqueles que se deixam inquietar pelas provocações do presente.
Quem votou? Lista de jurados
- Carlos Eduardo Soares de Araújo: Leitor e criador de conteúdo literário.
- Carol Antunes: Pesquisadora e Editora da Revista O Odisseu.
- Caroline Barbosa: Escritora e Pesquisadora (UFBA).
- Davi Boaventura: Escritor e Tradutor.
- Douglas Sacramento: Pesquisador (UFBA), professor e artista.
- Ewerton Ulysses Cardoso: Comunicador e editor-chefe da revista O Odisseu.
- Frank Coelho: Publicitário e leitor.
- Gustavo Nascimento: Estudante e Pesquisador de literatura na UFBA.
- Kaio Moreira Veloso: Pesquisador na UFOP e colunista da revista O Odisseu.
- Lili X: Escritora, criadora de conteúdo literário e colunista da revista O Odisseu.
- Marielson Carvalho: Professor e pesquisador de literatura (UNEB).
- Nélio Silzantov: Escritor e crítico literário.
- Nico Hirata: Escritora e colunista da revista O Odisseu.
- Paulo Zan: Escritor, pesquisador (UFBA) e editor da revista O Odisseu.
- Roberto Aguiar: Jornalista e Assessor de comunicação da Fundação Casa de Jorge Amado.
- Rodrigo Alves do Nascimento: Professor de Teoria da Literatura na UFBA, crítico teatral e editor.
Leia Também: ‘Desde criança eu queria saber’: Discurso de Han Kang no Prêmio Nobel.
Parabéns pela seleção. Parabéns aos selecionados. Sucesso promissor.