A convite da revista O Odisseu, o escritor e professor Paulo Henrique Passos escreve sobre Arnaldo Antunes, homenageado da edição de 2024 do Festival Literário Escritaria em Penafiel (Portugal).
Um escritor que se alimentasse das palavras que escreve talvez fosse o mais digno do seu ofício e também o que poria todo seu trabalho a perder. Faria de cada palavra uma questão de sobrevivência e não deixaria nenhuma, ou quase nenhuma, sobrar no papel. O que sobrasse se confundiria com rabiscos, consequência de arrastar cada palavra com a mão no ato de pegá-las para comer. Restariam também, às vezes, nomes espalhados pela página, daqueles que, não alimentando o escritor, satisfariam quem os lesse. Esse escritor adquiriria, com o tempo, movimentos corporais semelhantes aos movimentos da sua mão quando escrevesse – as palavras, mesmo comidas, permaneceriam vivas? Ou ganhariam ainda mais vida depois de comidas? Não é impossível que, dentro desse escritor, as palavras conduzissem cada um dos seus gestos e atitudes. Seus movimentos, assim, seriam uma extensão das palavras. Os leitores desse escritor que come nome teriam algumas maneiras de lê-lo: 1) não lê-lo, mas ouvi-lo, único modo de ter acesso às palavras comidas; 2) ler o que sobrou, no que se inclui palavras-alimento, sombras, desenhos e espaços em branco; 3) ler o ato de comer nomes e 4) silenciar, como se pode fazer agora diante destas palavras, pois esse escritor existe, é brasileiro, poeta, música, artista visual e se chama Arnaldo Antunes:
o homem que não existe
não quer
sair
de si
nem
de
si
st
ir
de (não)
ser
pra nas
cer
Conheça Paulo Henrique Passos
Paulo Henrique Passos é escritor, professor e empreendedor. Possui mestrado em literatura pela Universidade Federal do Ceará e faz parte do Pintura de Palavras (@vanessapassos.voz). É autor de “Livro Sem Nome” (Patuá, 2023).
Instagram: @paulohenrique.passos
Foto: Fábio H. Mendes.
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