O arco-íris que resiste às sombras: Renan Quinalha e James Green na Feira do Livro

Painel com Renan Quinalha e James Green na Feira do Livro abordou as conquistas e desafios do movimento LGBTI+ no país, além de lembrar os impactos em cinquenta anos de luta.

Helena Vieira, Renan Quinalha e James Green na Feira do Livro/ Foto: Danilo Moreira.

Enquanto pessoas circularam pela a Feira do Livro na Praça Charles Miller, em São Paulo (SP), na tarde fria do sábado, 6 de julho, uma plateia lotada, inclusive este que vos escreve, acompanharam o painel “Livros e Livres”. A palestra contou com o historiador brasilianista e ativista norte-americano James Green, figura lendária do movimento LGBTI+ mundial, autores de livros como “Além do Carnaval – 2ª edição: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX”, e o pesquisador e advogado Renan Quinalha, colunista da Quatro Cinco Um e um dos ícones contemporâneos da causa, que publicou “Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade”. A mediação foi feita pela pesquisadora e colunista da Revista Cult Helena Vieira. O bate-papo trouxe conquistas da comunidade nos últimos cinquenta anos e refletiu sobre erros, acertos, desafios e ameaças.

James Green, com 73 anos, é de uma geração que presenciou a revolta de Stonewall em Nova York, em 1969, data considerada o marco da militância LGBT+ contemporânea. Morou no Brasil entre 1976 e 1982 (o que ajuda a explicar a fala em português completamente descontraído no painel) e, por aqui, ajudou a fundar o Somos: Grupo de Afirmação Homossexual, a primeira organização LGBT politizada do Brasil.

Ele conta que o ativismo que eclodia lá fora chegou ao Brasil com cerca de dez anos de atraso por conta da ditadura militar, que criou barreiras contra o “novo” e o “diferente”, um medo criado, por exemplo, nas escolas com as aulas de Educação Moral e Cívica. “Foi nesse contexto que organizamos um movimento LGBTI+ oficial no país, que nasceu com muitos erros, com muitas dificuldades de entender quais os caminhos seguir, mas conseguimos ir em frente”.

Apesar de reconhecer os avanços, Green lembrou que ainda hoje, movimentos como as Paradas LGBTI+s, que mobilizam pessoas em todo país em uma ação democrática de reivindicações e liberdade, ainda hoje são subestimadas até por acadêmicos e grupos de esquerda por um estereótipo carnavalesco. “Imagina uma Parada em uma cidade do interior, onde aquelas pessoas que vivem se escondendo ou ocupando espaços marginalizados podem, finalmente, demonstrar a alegria de serem o que são por meio de uma força que mobiliza pessoas. É esse o mérito desses eventos, um momento de afirmação.”

Renan, que atuou na Comissão da Verdade, contou que as questões relacionadas a essa população sempre serão colocadas em evidência por grupos conservadores como um capital político, ainda mais nas eleições. “A LGBTfobia vem muito antes de grupos conservadores bolsonaristas e até mesmo anteriormente à ditadura militar”, afirmou.

Ocupação de espaços

Os palestrantes também refletiram sobre os espaços ocupados pela comunidade. Renan lembrou da marginalização a que esses grupos foram submetidos. “A revolta de Stonewall aconteceu num bar não por que era um lugar de festa e badalação, mas é porque era ali, num gueto, escondido, em uma situação de vulnerabilidade produzida, mas era ali que podiam existir”, comentou.  

Helena chamou a atenção para movimentos recentes de tentativas de redução de espaços e a criação de um clima de medo entre os LGBTs. Ela não chegou a entrar em tantos detalhes, mas deu para perceber a alusão à recente tentativa de fechamento de bares tradicionais LGBTs na Rua Vieira de Carvalho, na região do Largo do Arouche, no Centro de São Paulo, tradicional ponto de encontro da comunidade. Renan reforçou a importância de ocupar mais espaços e como esse desafio encontra obstáculos em diversas esferas. “A violência contra LGBTs está mais visível porque a comunidade está mais presente e ocupando mais espaços, em vez de ficar apenas em locais escondidos e marginalizados”. 

Mas as tentativas de reduzir esses locais continua e em diversas esferas. Renan trouxe como exemplo um caso de um jovem assassinado após marcar encontro por meio de um aplicativo de relacionamento. “Responsabilizam a vítima como se o problema não fosse de segurança, mas sim o seu desejo, que já é marginalizado, e que não é legítimo que ocorra por meio desse espaço virtual”.

Green também chamou a atenção para a carência de locais que acolham essas populações. “Você pode até encontrar em grandes centros urbanos, mas imagine um gay que vive numa cidade do interior superconservadora, onde que ele vai procurar apoio se precisar, se for vítima de algum tipo de violência?”.

Envelhecimento

Em certo momento do painel, Helena trouxe a questão do envelhecimento LGBT, tema com o qual Renan já trabalhou. O pesquisador comentou sobre os principais desafios dessa questão, visto que, logo após uma maior mobilização de movimentos nos anos 1960 e 1970, nos 1980, veio a AIDS, que provocou um genocídio entre essa população e foi usado como instrumento de repressão da sexualidade. As pessoas que sobreviveram àquele tempo traumático estão chegando agora à velhice. Há também os que chegam à essa fase da vida ainda no “armário” ou vivendo uma “vida dupla”, e podem ter uma construção de que precisam apenar viver o sexo e não construir uma família com o parceiro, inclusive com filhos.

Outro problema, segundo Renan, é a valorização da juventude, que cria um desejo de não envelhecer e maior dificuldade para pessoas com idades mais avançadas em vivenciarem a sua sexualidade. Mas ele é otimista, e acredita que as gerações futuras já terão uma maturidade maior sobre para a vivência do envelhecimento.

“Direitos não são escritos em pedra”: Renan Quinalha e James Green na Feira do Livro

Helena Vieira, Renan Quinalha e James Green na Feira do Livro/ Foto: Danilo Moreira.

Renan elencou diversas conquistas recentes nas últimas décadas no país, como o casamento homoafetivo e a equiparação da homofobia ao crime de racismo, mas alertou que é preciso mais solidez. “Não dá para deixar tudo na mão de decisões do STF. E se amanhã arrebenta alguma reação que derrube a instituição, ou nomeiem ministros que mitiguem as conquistas?”. Ele defende a criação de um estatuto que resguarde a população LGBTI+. “Direitos não são escritos em pedra. É uma luta constante que ora tem avanços, ora retrocessos. Não é porque tivemos conquistas ou que um determinado governo mais progressista entrou é vamos ter sempre essas garantias. Temos que nos mobilizar para termos mais representantes e assegurar nossas cidadanias. Temos uma tarefa grande de proteger esses direitos e tirar do papel”.

Green lembrou que esses retrocessos e ameaças não têm acontecido apenas no Brasil, mas lembrou casos nos EUA de leis aprovadas nos anos 1970 e que estão sendo retiradas. “Com uma nova onda de extrema direta no mundo, temos observado essas articulações de aspecto conversador e moralista que revisam ou até derrubam leis pró LGBTIs. Temos que ficar atentos a essa grande ameaça”.

No final, Helena perguntou aos dois pesquisadores como enxergam a comunidade daqui alguns anos. Green preferiu não traçar um cenário. “É difícil prever, pois depende de vários fatores, por exemplo, nos Estados Unidos, temos as eleições, que podem trazer de volta à Casa Branca a extrema-direita”. Já Renan demonstrou ser mais otimista. “Precisamos reconhecer que, em 50 anos, já quebramos milênios de tabus. Hoje é possível enxergar uma família com casais homoafetivos, temos trans no cargo de deputadas no Congresso, e essas e outras conquistas vão continuar surgindo, conforme nos organizarmos estrategicamente para defender nossos direitos e para que sejam estabelecidos de forma sólida”, explicou.

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