‘Não termine comigo, Joana’ (Caramurê, 2024) , do autor baiano Anderson Shon, é um livro rápido de ler, mas que se mantém com o leitor.
Atenção: Esta resenha pode conter spoilers!
O livro Não termine comigo, Joana, do autor baiano Anderson Shon, se trata de uma curta história de romance infanto-juvenil que toca o coração de qualquer um que a lê por sua sinceridade ao tratar do que pode parecer a explosão solar quando se é adolescente: o término de um namoro. Gui é forçado a viver o dia dezessete de Setembro em looping, revivendo as diversas maneiras que Joana poderia terminar com ele, não importa o quanto ele tente fugir do evento, seu relacionamento terminará de uma forma ou outra, quantas vezes forem necessárias para que ele aceite o encerramento desse ciclo.
É surpreendente como em apenas 61 páginas Shon consegue abordar não apenas a história de amor que Gui e Joana vivem, mas também outras temáticas importantes, como a mecanização do ensino formal. Com personagens que são bem construídos ao ponto de parecerem reais e inspiram empatia por parte do leitor, de forma a este terminar a sua leitura com um gosto de “quero-mais”.
A mecanização da educação formal é apresentada a partir do cenário da história, o ano de 2046, de forma a fazer uma extrapolação das tecnologias que hoje conhecemos, como é de praste na literatura de ficção científica; um exercício muito importante, especialmente em um livro no qual seu protagonista está passando por um exercício de repensar em como lidar com aquilo que lhe ocorre. Então, por que não o leitor fazer o mesmo com sua realidade que se torna cada vez mais irreal? A escola na qual as personagens estudam tem uma Inteligência Artificial chamada Gepeto que ministra a maioria das disciplinas – com exceção de teatro e dança –, havendo humanos apenas no papel de inspetores que se certificam de que os alunos estão prestando atenção às aulas e se comportam pelos corredores. Ao longo do livro são colocados diversos questionamentos sobre essa forma de ensino, com Gui sentindo falta de ter um professor para fazer perguntas e receber respostas que não fossem genéricas e programadas, ou ainda, quando ele se questiona se “nessa escola nós estamos humanizando máquinas ou ‘maquinalizando’ humanos” (Shon, 2024, p. 32).
Esse looping de términos pelo qual Gui passa ao longo do livro, combinado à narração de como ele e Joana se conheceram e se apaixonaram, traz um trabalho emocional por parte desses dois protagonistas – e para seus jovens leitores – que estão passando pelo primeiro relacionamento romântico; como devo falar com ela? Devo abraçá-la? Devo visitá-la? São questões que são levantadas, apresentadas e, de certa forma, solucionadas pelos personagens a cada experiência que passam. Viver e reviver o término do namoro é uma analogia de algo que fazemos na realidade: revisitamos acontecimentos de nosso passado para tentar entendê-los e, assim como ocorre com os personagens, apenas escapamos desse eterno retorno ao passado quando conseguimos não apenas aceitar mas estar em paz com o que ocorreu. E assim acontece na história, Gui apenas sai do looping na oitava vez, quando conversa com Joana e admite sentir paz com o encerramento.
Com uma gama diversa de personagens, fico feliz de haver um livro como Não termine comigo, Joana, escrito para o público infanto-juvenil. Com uma ótima prosa e reflexões maduras, Shon conhece o seu público-alvo, não subestima sua capacidade de interpretação e, arrisco dizer, constroi senso crítico com relação a questões emocionais abordadas com o looping de términos que os personagens sofrem e a perguntas como “o que será da minha educação com a inteligência artificial?”. Um livro rápido de ler, mas que se mantém com o leitor.
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