‘Mil Mulheres em Pagu’, uma crônica histórica de Aline Félix

A autora Patrícia Galvão, a Pagu, será a homenageada da 21ª edição da FLIP. Em vista disso, a Revista O Odisseu republica o texto de Aline Félix que saiu na nossa 1ª edição em 2022.

Ilustração de Pagu por Maicon Aquino (@aquinart)

Escrevi e reescrevi esse texto diversas vezes, queria começar com algo impactante, sabe?

Eu gostaria de ser capaz de traduzir em palavras o tamanho do impacto que Pagu, Patrícia Galvão, causou na vida cultural do nosso país.

Então, o primeiro texto, comecei com uma informação histórica que tirei do site da EMBRAPA. Sim, gente, EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

Depois, fui ler um pouco de Ulysses, de James Joyce, para talvez começar com uma citação deste livro incrível (está na minha lista de leituras futuras).

No fim, acabei pesquisando sobre Freud (um grande amor da minha vida) e me deparei com a última entrevista que ele concedeu, bem interessante, mas também descartei.

Todos esses caminhos que percorri são parte da vida de Pagu.

Pesquisando tanto, cheguei à conclusão que contar alguns dos feitos desta mulher, para além do título de “Musa do Modernismo” e seus “olhos moles”, como disse Raul Bopp ao começar o poema Coco Pagu (foi ele que deu esse apelido para ela, pois achou que seu sobrenome fosse Goulart), já seria impactante. Então, vamos lá:

Na semana de Arte Moderna de 22, Patrícia tinha 12 anos, ou seja, não participou desse evento, não que a idade fosse um fator limitante para ela, afinal no seu livro Pagu – Autobiografia Precoce (Companhia das Letras), ela começa narrando a sua vida a partir dos 12 anos, falando de sua iniciação sexual (porque Pagu já nasceu mulher).

Neste livro, ela deixa claro que sabia o poder e a maldição que sua sensualidade representava. Ela estava certa.

Até hoje sua história é resumida aos casos amorosos, ao casamento conturbado com o poeta modernista, um dos fundadores do Movimento Antropofágico, Oswald de Andrade (ou você sabia que foi a Patrícia Galvão, escritora, desenhista, poetisa, militante do Partido Comunista, primeira mulher presa política do Brasil, jornalista, que viajando como correspondente de alguns jornais da época, assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador chinês e assim trouxe a soja para o Brasil?).

Foi aí que fui parar na página da EMBRAPA, pois foi por intermédio do Imperador Chinês que Pagu conseguiu sementes de soja para serem enviadas ao Brasil e, assim, esse cultivo que rende milhões para a nossa economia, inclusive grande parte sendo exportada para a mesma China, foi introduzido na agricultura brasileira.

Aliás, no site da EMBRAPA, onde é contada a história da soja no Brasil, não há nenhuma citação a Pagu (o que surpreende um total de zero pessoas).

Foi na China também que Pagu entrevistou Freud e foi ela quem primeiro traduziu James Joyce.

Patrícia foi Pagu, Zazá, Mara Lobo, Patsy… mas também foi mãe.

Na autobiografia que citei anteriormente, Patrícia deixa claro o tamanho da culpa que sentia por querer continuar sendo outras além de ser mãe. Achei essa fração do livro muito marcante:

“Disse apenas na minha última página: “O meu filho nasceu”. E basta. Tudo o mais esbarra com violência na contradição. A mãe. Mas não. É a negação da maternidade. As sensações são intangíveis. Apenas as essencialmente físicas podem ser lembradas com precisão. Surge a imensidade de planos superpostos, como no apogeu de um filme de grande intensidade fotográfica.”

Pagu em “Autobiografia Precoce”

Então, quando Rudá, seu primeiro filho, tinha poucos meses, ela o deixou com Oswald e foi para Buenos Aires participar de assembleias literárias e levar uma carta para Luis Carlos Prestes, assim, teve seu primeiro contato com o Partido Comunista.

Foi por conta do Partido que ela foi presa 23 vezes e torturada. O Partido, para ela, representava a “alegria da fé nova. A infinita alegria de combater até o aniquilamento pela causa dos trabalhadores, pelo bem geral da humanidade.”.

Motivada por essa paixão pelo povo, escreveu o romance Parque Industrial, em 1933, que será relançado pela Companhia das Letras em 28 de janeiro de 2022, o qual é considerado o primeiro romance proletário da nossa literatura (sim, está na minha lista também e terá leitura de uma fração lá na minha página do Instagram).

Contudo, ao viajar para a China e ver a degradação do povo, Pagu se desiludiu com o comunismo. Assim ela escreveu em sua autobiografia: “Eu tenho pudor da realidade da China. É tudo tão miseravelmente absurdo que eu nunca tive coragem ou ânimo de narrar o que encontrei ali. A mentira, a fábula grotesca me horroriza pelo ridículo, e eu mesma penso que tudo o que vi foi mentira.”. Quanto a sua experiência com a Rússia, disse que “Era uma garotinha de uns oito ou nove anos em andrajos. Percebi que pedia esmola… Tremia de frio, mas não chorava com seus olhos enormes. Todas as conquistas da revolução paravam naquela mãozinha trêmula estendida para mim, para a comunista que queria antes de tudo, a salvação de todas as crianças da Terra.”

Ainda levaria um tempo para largar o Partido e, durante seus períodos na prisão, ainda escreveu: Microcosmo – Pagu e o homem subterrâneo e começou uma carta autobiográfica dirigida a Geraldo Ferraz, que depois veio fazer parte do livro Paixão Pagu.

Fora da prisão publicou crônicas, contos policiais, o romance A Famosa Revista, junto com seu então marido Geraldo Ferraz, pai do seu segundo filho. Produziu também a Antologia da Literatura Estrangeira, participou do Congresso de Poesia em São Paulo, escreveu, traduziu e dirigiu peças de teatro, coordenou o I Festival de Teatro Amador de Santos e Litoral, foi responsável pela campanha para construção de um teatro municipal em Santos.

Encontrou-se com Sartre e Ionesco, um dos maiores dramaturgos do teatro do absurdo

Pagu disse: “A satisfação intelectual não me basta… a ação me faz falta!

Ela agiu e entregou-se inteiramente ao que acreditava, lutou pelo povo e pela cultura.

Se ao começar esse texto minha intenção era causar impacto, ao encerrá-lo espero ter conseguido gerar curiosidade e interesse sobre o seu legado e toda a intensidade dessa mulher de múltiplos talentos, dessa Pagu que foi mil mulheres.

No site pagu.com.br você pode encontrar mais sobre a história, seus poemas e livros.

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