‘Livros em Movimento’, uma crônica de Luciana Konradt

A escritora gaúcha Luciana Konradt escreve sobre a sua primeira experiência na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, maior do Brasil, que fez 40 anos este ano!

A autora Luciana Konradt/ Arquivo Pessoal

Escrever é um ato solitário. E, também, uma forma de autoconhecimento. Entre frases e parágrafos, na procura interior pela melhor palavra para transmitir um pensamento (ou, diante do indescritível, na busca daquela expressão mais próxima disso), transitamos do riso à tristeza, do asco ao encantamento; viajamos do insólito e fantástico ao prosaico cotidiano. Nessa jornada, percorremos ruelas e estreitos mundos internos. Mas, invariavelmente, ao concluirmos uma história, nos sentimos ampliados. O ponto final em um conto ou livro nos faz sentir, com certa pretensão, um ser humano melhor. Mais carregado de humanidade. Um viajante que enfrentou seus medos e, depois da aventura, retorna fortalecido, com a bagagem cheia de novas experiências. Nesse aspecto, a escrita é dolorosamente libertadora. E, de algum modo, construtiva para quem escreve.

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Concluído esse processo individual, o ato de apresentar o livro aos leitores é sempre um momento mágico. Uma leve e agradável celebração. Ao criar nossos personagens nos tornamos exibidos, no melhor sentido da palavra. Como mãe amorosa, queremos mostrá-los ao mundo. Apesar de suas prováveis imperfeições, devotamos a eles um amor incondicional e, ainda que desagradem, ficamos felizes pelo simples fato de ter encerrado em uma linda capa suas verdades, emoções e angústias. Se, de outro modo, por acaso, eles forem capazes de encantar um único leitor, então, seremos tomados por lágrimas de felicidade.

Na Bienal do Livro do Rio, vivenciei um dos momentos mais emocionantes desse encontro com o público. Nos imensos pavilhões do Riocentro, entre os dias 01 e 10 de setembro, conforme dados dos organizadores, circularam mais de 600 mil pessoas. Patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, o evento foi responsável pela comercialização de mais de 5 milhões de títulos. Estatísticas à parte, a grandiosidade dessa festa não pode ser medida em números, mas na qualidade dos encontros e trocas que propicia. Conversar com quem dedicou seu tempo para folhear meus livros, ouvir seus relatos e, ao final, ainda receber um abraço, foi inesquecível. Instantes de puro encantamento.

Nos últimos anos, tenho vivido a gratificante rotina da participação nas feiras e festivais literários. Em lugares próximos ou distantes; no país e fora dele, essas viagens são sempre um ambiente enriquecedor, de farta colheita. São oportunidades de ouvir boas histórias, nas conversas ocasionais com leitores ou com aquelas pessoas, muitas vezes e para muitos, invisíveis ou ignoradas. Narrativas cheias de emoção, como o lindo relato do motorista de Brasília que, enquanto dirigia entre as belezas da cidade, descrevia em palavras coloridas cada uma das espécies de peixes do Lago Paranoá, onde pescava muitas vezes, para sustentar a família nos momentos de desemprego. Outras, pontuadas de saudade e olhos marejados, nas comoventes lembranças relatadas por garçons brasileiros e espanhóis, longe de casa, na busca de um futuro melhor nos restaurantes de Lisboa. Ou, ainda, a caminho dos pavilhões da Bienal, o testemunho triste do taxista carioca sobre a tentativa de linchamento de um menino que furtava celulares no engarrafamento, em avenida do Rio de Janeiro: “Vítima da sociedade desigual! Vítima da sociedade!”. Repetia ele, indignado e quase às lágrimas.

Se concluímos um livro com a sensação de amplitude, ao viajarmos com ele, essa impressão é multiplicada. Porque é só na interação com o leitor (a razão de ser da literatura) e na inserção verdadeira e afetuosa com o mundo à nossa volta, que somos capazes, de fato, como escritores, de alguma evolução. Pois, já apregoava Nietzsche, na frase que uso, aqui, em seu sentido mais literal: “Apenas os pensamentos caminhados têm valor”.

Conheça Luciana Konradt

“Caderno de Rascunhos e outras crônicas”, de Luciana Konradt (Cinco Gatas, 2023)

Luciana Konradt nasceu em Pelotas. É formada em Jornalismo e Direito pelas Universidades Católica e Federal de Pelotas. Como escritora, participou das coletâneas “Poesia Numa Hora Dessas?” e “Autoficção” (Editora Metamorfose, 2021). Publicou os livros “Bordados do Tempo” (Editora Cinco Gatas, 2021) e “Boiada de Elefantes e Outras Histórias Curtas” (Cinco Gatas, 2022) e “Caderno de Rascunhos e Outras Crônicas” (Cinco Gatas, 2023). Tem contos e crônicas publicadas em sites e no jornal Diário Popular. Reside em Porto Alegre, onde exerce a advocacia, participa de grupos de discussão literária e integra a Associação Gaúcha de Escritores.

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