Fernanda Torres é mais reluzente que a estatueta de ouro, seu brilho é o brilho da nossa gente, e se não tivesse ganhado nada, continuaria sendo uma vitoriosa.
O Brasil está em festa! A sensação é de que vencemos uma Copa do Mundo. A vitória de Fernanda Torres como Melhor Atriz em filme de drama em uma das mais aclamadas premiações da Indústria Cinematográfica norte-americana, sem dúvida é algo que todos nós, brasileiros verdadeiramente patriotas, devemos celebrar. Ainda Estou Aqui é uma obra-prima do cinema nacional e a atuação igualmente primorosa de Fernanda Torres é algo que nos toca profundamente, é muito boa e digna de todo reconhecimento; e se celebramos o seu Globo do Ouro não é para que o Globo de Ouro dite o que é bom ou o que não é, mas porque, em um desses raros momentos da Indústria Cultural, é satisfatório ver uma produção brasileira — algo que podemos chamar de “nosso”, com o qual nos identificamos e no qual nos reconhecemos — “furar a bolha” das mesmices de Hollywood.
Por outro lado, seria um grande engano acreditar que isso é suficiente para acabar com o nosso “complexo de vira-lata”, na melhor expressão do genial Nelson Rodrigues. Na verdade, não podemos fazer disso uma confusão: é claro que temos que nos alegrar porque uma atriz brasileira recebeu o Globo de Ouro e, talvez, receba o Oscar, mas não é o aval das “academias” norte-americanas que devemos buscar como condição para apreciar o que produzimos de bom, e sabemos que é bom, não só por ser “nosso”, mas por ser bom mesmo. Temos um cinema, um teatro, uma literatura, uma música, uma cultura vibrante e diversa, que se sustenta por sua própria originalidade. É uma pena que, muitas vezes, esse “espírito de colono” que insistimos em aceitar não nos permita ver o que está diante dos nossos olhos sem que alguém de fora nos aponte. Estamos sempre buscando aprovação em outro lugar que não é aqui, mas para o que se produz aqui para os que são daqui.
‘Um artista produz para o seu povo’ – Raique Lucas
Um artista, antes de tudo, produz para o seu povo, para o seu país. Se essa obra alcança outros públicos, pela qualidade e questões universais ali retratadas, não há que discutir o quanto isso é maravilhoso, mas não podemos fazer disso um conditio sine qua non (condição sem a qual não). O cinema brasileiro ainda está aqui, e continuará, seja por sobre os ombros de um gigante como Glauber Rocha, seja através dos grandes artistas do presente; e isso a despeito, e não por causa, de qualquer reconhecimento de Hollywood e do show business norte-americano.
É por isso que Fernanda Torres é mais reluzente que a estatueta de ouro, seu brilho é o brilho da nossa gente, e se não tivesse ganhado nada, continuaria sendo uma vitoriosa, porque mais importante do que o sucesso internacional (nada contra!), é o êxito artístico. Não precisamos de artistas de “sucesso”, até porque o sucesso é e sempre será algo passageiro, efêmero… O que precisamos é de artistas “exitosos”; artistas comprometidos com a produção de uma Arte que reflita o nosso brilho e que não esteja à sombra do que nos vem de fora. O êxito não se mede em troféus dourados, mas na capacidade de criar obras de arte que ressoem com a alma do nosso povo — uma Arte que dure pela vida. Eis o que dizia Ariano Suassuna: “Arte para mim não é produto de mercado. Arte para mim é missão, vocação e festa”.
Fernanda, você cumpriu brilhantemente a sua missão. Como uma artista vocacionada a expressar a verdade do nosso país, nós te festejamos. Festejamos o Brasil, o cinema nacional, a nossa cultura e o orgulho que sentimos de ser brasileiros — seus compatriotas. Aqui estamos, quem não quiser, que vá para Hollywood fazer “papel de besta”.
Leia Também: Encantação de Ariano Suassuna (1).
Raique que análise preciosa é necessária. A arte como cultura local e extramuros. Uma ode a memória nacional, para que a história não se perca e sempre nos sensibilize nas suas mais distintas formas de expressão. Bravo!
Raique que análise preciosa é necessária. A arte como cultura local e extramuros. Uma ode a memória nacional, para que a história não se perca e sempre nos sensibilize nas suas mais distintas formas de expressão. Bravo!