Para mim, foi importante ver uma mesa como essa na FLICA, pois proporciona uma experiência de ver como esses autores estão refletindo sobre os seus lugares, seus pontos de partidas e de chegada.
A mesa da Festa Literária Internacional de Cachoeira [FLICA], com início pontual às 15 horas, mediada pelo jornalista Felipe Oliveira, com os autores Jeferson Tenório e Marcus Vinícius Rodrigues, e a autora Mariana Rozario, começa com um resumo de suas trajetórias da leitura até à escrita, motivados pela pergunta inicial do mediador.
Numa segunda pergunta, Marcus fala um pouco sobre como retrata a Bahia nos seus livros não por uma ânsia de retratá-la na ficção, mas por ser este o seu cenário, o lugar onde viveu e vive, onde vê o mundo. Destaca ainda que em um livro seu, ao ter que ambientar as personagens em uma escola, optou por situá-los no colégio onde ele próprio estudou, em Humaitá, no período de sua vida em que viveu na Amazônia.
Jeferson comenta sobre a adaptação de O avesso da pele para o teatro, e da importância de fomento para que se trabalhe na adaptação de obras que retratem a realidade das vidas negras, o autor menciona o fato dos ensaios para a peça terem ocorrido na casa de um dos atores porque não houve fomento para a produção da peça. Menciona ainda sobre o novo livro, De onde eles vêm, o autor comenta a sua necessidade de escrever uma história com um professor como protagonista, afirma ter dificuldade apenas do ponto de vista formal de elaboração do romance, mas que do ponto de vista emocional, ele esperou bastante tempo para lidar com os eventos presentes ali.
Mariana fala sobre o lugar de Cachoeira na sua infância, ela reconhece a cidade ali, mas não entendia direito a importância da história do lugar, sente falta de vivenciar os momentos de celebração da história de resistência de Cachoeira, que lhe foi impossibilitado por estar sempre em trânsito entre Cachoeira e Feira de Santana. Afirma que escreve para se curar, de modo que seu processo de escrita têm uma tentativa de compreensão daquilo que ela perdeu do seu elo com Cachoeira e com o recôncavo. A autora admira muito a ligação que as pessoas dali têm com o recôncavo, de modo que seu livro busca tratar fatos da sua família, da vivência em Cachoeira, cidade da qual ela gostaria de se aproximar mais. Há uma investigação do “despertencimento” em seu livro, segundo a autora.
Jeferson Tenório fala de novo livro e censura na FLICA 2024
O autor Jeferson Tenório comenta sobre as ameaças e censura que o seu livro O avesso da pele sofreu em três estados em março de 2024, com os livros voltando às bibliotecas das escolas apenas em junho. Ademais, reflete que vivemos um momento histórico perigoso, onde há uma naturalização desse tipo de violência. “Num país em que precisamos formar leitores, há quem queira recolher livros, e é isso que me aflige”, afirma o autor.
Marcus destaca a importância da ficção para a empatia. A ficção permite esse lugar tanto para ficcionista quanto para leitores. Destaca ainda o interesse pela leitura da Lygia Fagundes Telles, que esse foi seu lugar de interesse, e recomenda isso pras pessoas.[ Num momento de descontração na mesa, Marcus faz uma brincadeira com a tradutora de LIBRAS, pois, destaca, se ele fosse escrever uma ficção sobre a FLICA ela seria a personagem, e a plateia reage com gargalhadas porque enquanto ele fala isso a tradutora segue trabalhando arduamente na tradução do que o autor fala].
Mariana destaca que observa, por exemplo, as listas de leituras dos vestibulares, como o da UNEB, por exemplo, e enquanto escritora, procura se aproximar da investigação de si, pela escrevivência ou escrita de si, nisso destaca seu interesse pela escritora Elisa Lucinda, por esta lhe mostrar que enquanto escritora negra ela não precisa escrever sobre violência o tempo todo.
Numa pergunta final da mesa, Jeferson fala sobre o seu livro novo, De onde eles vêm, que retrata a juventude negra desconectada da sua ancestralidade. É um livro sobre a reconexão com essa ancestralidade, a partir das diferenças, da falta de identificação, a personagem vai se aproximando e buscando reconectar-se com sua ancestralidade.
O que os autores estão pensando dentro de seus pontos de vista
Para mim, foi importante ver uma mesa como essa na FLICA, pois proporciona uma experiência de ver como esses autores estão refletindo sobre os seus lugares, seus pontos de partidas e de chegada. A FLIC exerce um papel importante de movimento dentro da cultura na Bahia. O meu elogio, do ponto da experiência que tive, fica principalmente para como as mesas são constituídas, com diversidade, com representações do que a literatura têm feito. A experiência no geral foi positiva, ainda que alguns problemas possam ser relatados, como o barulho descomunal que o ar condicionado faz, e a falta de mais editoras com tendas na festa, uma vez que como opções oficiais de venda de livros só pude ver ali na praça principal a tenda de editoras universitárias e o estande da livraria LDM na entrada da tenda Paraguaçu.
Estar ali próximo ao rio, debatendo literatura e vida é uma experiência excelente, e ainda destaco o artesanato e gastronomia diversos que podemos encontrar na cidade. Porém fica a reflexão sobre a ideia de “festa” ainda persistir mais que a dos livros. O livro parece um combatente, resistindo ali em meio ao interesse por tantas outras coisas. Ainda há esperanças. Vendo a tenda cheia para ouvir escritores é o que me traz essa fagulha.
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