Casa centenária onde o modernista viveu entre 1921 até 1945, em São Paulo, é um tesouro cultural (felizmente) preservado, da genialidade multifacetada do consagrado autor.
Certa vez, Mário de Andrade, que adorava se corresponder com amigos por meio de cartas, escreveu à poeta Henriqueta Lisboa “A minha casa me defende, que sou, por mim, muito desprovido de defesas”. Esse é só um dos diversos registros do autor sobre a sua intensa conexão com o imóvel na Rua Lopes Chaves, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, onde morou entre 1921 até sua morte, em 1945. Esse lar foi, simplesmente, o coração do poeta, romancista, contista, crítico literário, professor de música e pesquisador cultural. E, podemos dizer, designer de móveis.
Atualmente, o casarão centenário, junto a outros dois imóveis geminados que pertenceram à família do modernista, abrigam o Museu Casa Mário de Andrade, que reúne o legado desse ícone da literatura brasileira e exposições temáticas. Tive a satisfação de conhecer recentemente a tal “morada do Coração Perdido”, como o autor costumava chamá-la. Vou contar a seguir como foi essa experiência incrível!
A Barra Funda
Para quem vai de transporte público, a melhor opção é a estação de Metrô Marechal Deodoro, da Linha 3 – Vermelha. Após desembarcar, só caminhar por alguns minutos com parte do trajeto sob a sombra do Elevado Presidente João Goulart, conhecido como Minhocão ⎯ herança das obras faraônicas na ditadura militar (1964-1985) e que rasgaram São Paulo em nome do “progresso rodoviário”.
A ocupação do bairro está estreitamente ligada à construção de estradas de ferro para escoamento da produção do café na cidade no século XIX. A região era parte da antiga Fazenda Iguape, do Barão de Iguape (1778-1875), que foi loteada para dar origem a chácaras, como a Chácara do Carvalho, que posteriormente foi dividida em ruas. A inauguração da Estação Barra Funda, da Estrada de Ferro Sorocabana, em 1875, e da estação de mesmo nome pela São Paulo Railway, para o ramal Santos – Jundiaí, em 1892, incentivaram o aumento da população da região, que já foi tema de livros como a coletânea de contos experimentais “Brás, Bexiga e Barra Funda” (1927), de Antônio Alcântara Machado.
Após o loteamento da Chácara Carvalho, imigrantes italianos iniciaram a ocupação urbana da região. Além dos trabalhos relacionados à ferrovia, os primeiros habitantes costumavam montar serrarias e oficinas mecânicas para atender à população abastada do bairro de Campos Elíseos.
No início do século XX, a Barra Funda recebeu novas estruturas. Em 1902, ganhou o primeiro bonde elétrico de São Paulo, cujo trajeto ligava a região ao Largo São Bento. Com o crescimento, passou a receber os primeiros negros sem as amarras da escravização. Sua proximidade aos bairros de Higienópolis e Campos Elíseos também gerou um polo comercial e atraiu a classe média cafeeira e industrial, incluindo instalações das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, ícone da industrialização nacional no período.
Em outras palavras, quando Mário e sua família se mudaram para a Barra Funda, em 1921, a região, então considerada um bairro periférico nas bordas de Higienópolis, Santa Cecília, Bom Retiro e Campos Elíseos, concentrava uma efervescente mistura de povos, culturas e classes sociais.
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Hoje, a Barra Funda, que ostenta ícones culturais e turísticos como o Memorial da América Latina, não é muito diferente de outros bairros antigos da capital paulista, especialmente nas proximidades do Minhocão. Ali também se embruteceu com o crescimento desordenado da metrópole e abriga diversos problemas estruturais e sociais.
Mas quando cheguei à Rua Lopes Chaves, vi alguns sobrados mais ou menos da mesma altura da Casa Mário de Andrade, assim como o tráfego de carros bem menos caótico (pelo menos naquele dia), em comparação com os quarteirões anteriores que percorri. Logo, me senti um pouco transportado no tempo, talvez para próximo do que o bairro deve ter sido quando o escritor morou ali.
A ‘Morada do Coração Perdido’
Andrade nasceu em 1893, numa casa da Rua Aurora, no Centro de São Paulo, que pertencia ao avô materno, Joaquim de Almeida Leite de Morais (1834-1895). Posteriormente, a família se mudou para um sobrado de esquina no Largo do Paissandu, construído pelo pai de Mário, Carlos Augusto Pereira de Andrade (1855-1917).
Já viúva, a mãe de Mário, Maria Luísa de Almeida Leite Morais (1859-1949), chamada de Dona Mariquinha pelos íntimos, vendeu a antiga casa da família no Centro e comprou o sobrado na Lopes Chaves, imóvel de arquitetura mista, projetado pelo arquiteto Oscar Americano de Caldas (1908-1974). A construção abrigava três residências familiares geminadas, com uma única infraestrutura. Mário morava no primeiro casarão, no número 108 (atualmente 546), junto à matriarca e sua tia, Ana Francisca Leite Morais (1862-1947), conhecida como Tia Nhanhã; e a irmã, Maria de Lourdes de Morais Andrade (1901-1989). O segundo era ocupado pelo irmão mais velho, Carlos, que já era casado. O terceiro iria para o escritor quando se casasse, o que não se concretizou. Outra personagem que merece menção honrosa é a empregada e cozinheira Sebastiana de Campos (1893?-1970), que trabalhou ali dos anos 1920 até morrer de infarto, na cozinha da própria residência, em 1970.
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O Museu, que foi inaugurado em 2018, inicialmente ocupava a primeira casa onde viveu Mário, mas neste ano foi ampliado para os outros dois imóveis que pertenceram à família. O espaço mais que dobrou de tamanho e soma quase 783 m², em cerca de 20 cômodos, que uma sala de exposições temporárias de 105 m², uma área para o acervo bibliográfico destinado a pesquisadores, auditório, um café e loja que terá produtos relacionados ao escritor. O local também ganhou rampas de acesso, placas em Braille nas portas, elevador, piso podotátil e banheiros adaptados.
Eu já sabia sobre as múltiplas facetas profissionais de Mário de Andrade, mas o museu me apresentou mais uma. Inspirado no mobiliário de revistas alemãs, Mário projetou sozinho os móveis de seu estúdio e as estantes de sua grande biblioteca (…)
Entrei no imóvel pelo portão onde ficava a segunda casa, e fui atendido por uma simpática segurança, que me deu boas-vindas e me conduziu à recepção, igualmente cordial. Já fui bem recebido em outros museus que visitei pela vida, mas confesso que a cordialidade com que me atenderam lá chamou bastante a atenção. Importante dizer que fui em dia de semana (aproveitando alguns dias de férias que peguei do trabalho), então, digamos que a casa era praticamente “minha”, com o pouco movimento de visitantes. Outro ponto positivo é que a entrada é gratuita.
Sobrados de classe média como o da Lopes Chaves costumavam ter, no térreo, um jardim, que dava passagem para as salas abertas aos visitantes, além de um escritório. Era um andar destinado à socialização com amigos e parentes. Já no piso de cima ficavam os aposentos e os banheiros restritos aos moradores. Só que Mário, com seu espírito transgressor, quis fazer diferente no imóvel: montou seu estúdio no andar superior e lá recebia alunos, artistas, escritores e amigos mais chegados. O pequeno cômodo ao lado, pensado inicialmente para ser o que hoje conhecemos como closet, se tornou seu quarto. Essa configuração ilustra a relação que o modernista tinha com o seu trabalho e com as pessoas que estimava.
Eu já sabia sobre as múltiplas facetas profissionais de Mário de Andrade, mas o museu me apresentou mais uma. Inspirado no mobiliário de revistas alemãs, Mário projetou sozinho os móveis de seu estúdio e as estantes de sua grande biblioteca, e os encomendou para uma marcenaria de São Paulo. Sim, só de olhar aquelas peças em madeira de imbuia, tão cuidadosamente trabalhadas, provavelmente você irá pensar: “nossa, como as coisas de antigamente eram feitas pra durar”.
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Mas por que o imóvel é chamado de “O Coração Perdido”? Não se sabe exatamente ao que ele se refere, mas essa alcunha foi dada por Andrade numa crônica de 1931, em que ele escreveu “Saí desta morada que se chama O Coração Perdido e de repente não existi mais”. De qualquer forma, a frase ilustra o apego que o autor tinha à casa, na qual imprimiu a sua identidade e força criativa. Outro exemplo dessa relação umbilical com o casarão na Barra Funda foi dito quando retornou a São Paulo, após morar no Rio de Janeiro entre 1938 e 1941, numa espécie de autoexílio, em virtude de uma experiência mal sucedida como chefe de Departamento de Cultura de São Paulo. Mário celebrou o sentimento de “felicidade lopeschávica” por voltar a viver na capital paulista.
Sol e sons
A tarde ensolarada transbordava raios pelas grandes janelas de vários cômodos do museu, o que deixava o imóvel histórico deliciosamente iluminado. No térreo, o corredor que percorri reverberava músicas antigas, como se segurasse delicadamente pelas minhas mãos e me conduzisse para décadas passadas longínquas. A música parecia vir da saleta do piano, espaço que aborda a trajetória de Mário como professor de música.
Em 1911, adolescente, ele iniciou os estudos de piano no Conservatório Dramático e Musical e, no ano seguinte foi, chamado a colaborar como monitor na disciplina de Teoria Musical. Ele frequentava a escola com o irmão mais novo, Renato, que tinha uma carreira promissora na música, mas faleceu aos 14 anos em um acidente no colégio, enquanto jogava futebol. A perda abalou Andrade.
Entre 1914 e 15, também estudou canto no Conservatório. Em 1917, formou-se como professor de Piano e Dicção. No mesmo ano, perdeu o pai, Carlos, vítima de uma crise cardíaca, e passou a dar aulas de piano. Na saleta do museu, é possível conhecer mais da atuação como docente por meio de fotos, objetos e materiais em áudio. Também há registros de testemunhas de alguns alunos, além dos móveis planejados por Mário e o belo piano com candelabros, que era utilizado para as aulas.
Mais à frente, vemos a área de entrada da casa onde ele mais especificamente viveu, com mais móveis de imbuia planejados e arquivos da época que Mário morava ali. Era também nesse imóvel que o escritor recebia amigos, como os modernistas Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Menotti del Picchia. Muitas das configurações e ideias do movimento modernista em São Paulo nasceram e/ou foram discutidas ali.
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Como aprecio demais as construções antigas e vou fundo na observação dos detalhes, não pude deixar de perceber, por exemplo, a deliciosa visão da janelinha da porta, com vista para o portão e outra construção antiga, do outro lado da rua, o que traz uma visão mais próxima do que poderia ser aquela rua no tempo que Andrade morava ali. Trago essa observação porque visitar imóveis antigos em São Paulo é se acostumar com o contraste gerado pelos prédios espelhados ou fundos de edifícios que, às vezes, cercam toda a vista da casa histórica, o que pode te dispersar temporariamente da viagem ao passado. Não é o caso ⎯ talvez por mera sorte, por enquanto ⎯ desse museu.
Na passada pelo novo auditório, que era a sala de estar e jantar, há um conjunto de janelas que deixam o espaço ainda mais agradável. Segundo o descritivo do museu, algumas cenas que se passaram nesse cômodo inspiraram o conto “O peru de Natal” (1942).
O coração criativo
Na parte superior, Mario construiu um amplo estúdio onde trabalhava sua criatividade e seus escritos. O cômodo se localizava ao lado de seu pequeno quarto ⎯ onde, inclusive, faleceu em 1945. Atualmente, o hall reúne alguns móveis por ele planejados, além da belíssima escrivaninha herdada do pai. Sério, quem é escritor como eu, provavelmente ficaria em êxtase se deparasse com o móvel, que dispõe de prateleiras, escaninhos, gavetas e a mesa de trabalho. Foi nele que Mário escreveu, pela primeira vez, a expressão “Pauliceia desvairada”.
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Para ampliar o espaço, a parede que dividia o estúdio e o quarto dele foi retirada, mas a porta do antigo dormitório foi mantida, com uma placa indicativa. Há outros cômodos no andar, como os quartos da mãe e da tia, mas que estavam fechados na ocasião.
Não sei se é toda a experiência que nós visitantes recebemos, mas foi como se eu sentisse no ar o todo amor que o escritor tinha por aquela casa
Não sei você, leitor, mas eu, apesar de não me considerar médium nem nada disso, normalmente consigo sentir a energia dos lugares e lá, me senti muito bem. Não sei se é toda a experiência que nós visitantes recebemos, mas foi como se eu sentisse no ar o amor que o escritor tinha por aquela casa. Minha cabeça de Bobby (do icônico desenho “O Fantástico Mundo de Bobby” ⎯ sou Millennial, me respeita), já me fez imaginar, inclusive, sendo de alguma forma recebido pelo próprio Mário, como escritor, e ele mostrando os seus aposentos. Sabe quando você vai na casa de um amigo e se sente bem recebido?
A pergunta que não quer calar
Perguntaram a mim se no museu existe algum material que fale sobre a orientação sexual de Mário de Andrade.
Como você deve imaginar, em uma sociedade ainda mais homofóbica do que hoje, esse assunto era um tabu na vida do escritor, ainda que ele tenha deixado certas “pistas” dos seus desejos em alguns textos, como no conto “Frederico Paciência” (1943). De vida íntima reservada, teve a sua sexualidade especulada por anos, sofreu insultos homofóbicos (inclusive de amigos como, Oswald de Andrade, de quem se afastou), além de tentativas de apagamento sobre a sua real orientação.
O autor confidenciou sobre a sua homossexualidade em uma carta ao amigo Manuel Bandeira. O papel ficou guardado por anos até que, em 2015, o jornalista Marcelo Bortoloti, da Revista Época, conseguiu na Justiça o acesso ao material, de posse da Fundação Casa de Rui Barbosa, via Lei de Acesso à Informação. A divulgação do documento, conforme contou o portal G1, pôs fim a várias décadas de tabu sobre esse aspecto da vida do escritor.
De qualquer forma, eu, particularmente, não me lembro de ter visto qualquer menção sobre esse tema no museu, pelo menos por enquanto.
A festa da “brasiléia desvairada”
Os autores e artistas da primeira fase do Modernismo visavam, de modo geral, libertar a arte brasileira do modismo europeu, promover uma linguagem nacional e a integração do brasileiro com a sua terra. Como um autor pertencente a tal fase, o pai do romance “Macunaíma” (1928) era estudioso voraz sobre a nossa cultura e, para tal, viajou para diversos pontos do país, inclusive a Amazônia, um de seus tours mais famosos. Durante esse desbravamento, recolheu diversas informações sobre festas populares, lendas, ritmos e outros elementos culturais. Mas uma manifestação cultural popular, em especial, parecia mexer bastante com ele: o carnaval.
Para coroar a visita ao museu, no mesmo andar superior, visitei a exposição “Eu mesmo, Carnaval”, que explora o apreço que o autor modernista sentia pela festa, não só como folião, mas como pesquisador e folclorista. A mostra, em cartaz até maio de 2025, tem como um dos fios condutores o enredo do desfile da escola paulistana Mocidade Alegre que, em 2024, homenageou o escritor com o tema “Brasiléia Desvairada: a busca de Mário de Andrade por um país”, e se inspirou nas viagens folclóricas lideradas por ele. A expo tem a curadoria de Arthur Major, pesquisador da Casa Mário de Andrade, e de Fábio Parra, Diretor Artístico da Mocidade.
Mais do que mostrar as belíssimas fantasias confeccionadas pela Mocidade Alegre para o desfile deste ano e a história da escola, a exposição celebra a relevância do Carnaval como festa popular brasileira, acompanhada de registros fotográficos e considerações feitas por Andrade em suas andanças pelo país
A entrada já nos apresenta uma estrela da carreira literária de Mário de Andrade: a primeira edição do icônico livro de poemas modernistas “Paulicéia Desvaiarada”, lançado em 1922 e que já resenhei no meu blog, Plug Literário. A icônica capa, cuja criação é atribuída a Guilherme de Almeida (1890-1969), foi baseada no livro de poesias “Arlecchino” (1918), do poeta futurista italiano Ardengo Soffici (1879-1964). De acordo com a expo, na obra cosmopolita já é possível observar as influências do Carnaval no trabalho de Mário de Andrade, caso da presença dos losangos coloridos, que remetem à figura do Arlequim.
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O destino da casa após a morte do Mário
Uma vida tão produtiva infelizmente se encerrou bruscamente. Mário nos deixou aos 51 anos, na noite de 25 de fevereiro de 1945, vítima de um infarto fulminante, justamente no local que chamava carinhosamente de “Morada do Coração Perdido”. Coincidência triste, e por que não, até mórbida.
Um homem que tanto produziu em vida certamente deixou em sua casa um acervo colossal de materiais. Além dos móveis planejados por ele, Mário gostava de colecionar obras de arte (algumas ainda expostas permanentemente no museu), além de discos (inclusive com anotações sobre as canções) e uma extraordinária biblioteca.
Ciente da relevância do acervo o autor, os amigos Antonio Candido (1918-2017), Luiz Saia (1911-1975) e Oneyda Alvarenga (1911-1984), que também foi sua aluna, tentaram preservar o ambiente da casa e o legado. Convenceram a família a não executar as determinações da carta-testamento que Mário tinha deixado com o irmão Carlos pouco antes de se submeter a uma operação, em 1944. No documento, ele dissolvia a sua coleção e biblioteca.
Ainda nos anos 1940, o grupo de amigos tentou criar a Fundação Casa de Mário de Andrade, entidade que preservaria o imóvel e o valioso acervo, que além dos livros e a coleção de arte, também abrangia os móveis criados com tanto esmero. Um movimento articulado dos inúmeros amigos e admiradores de Mário de Andrade fez chegar o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) a solicitação de tombar o “conjunto de obras de arte, manuscritos e livros do espólio” em 1946, em prazo recorde. Três anos depois, falecia a mãe, Maria Luísa.
O projeto da Casa de Mário de Andrade não avançou. Mesmo assim, a família manteve a coleção intacta na casa da Barra Funda por mais de 20 anos, até 1968, quando o Governo do Estado, por meio da Universidade de São Paulo, adquiriu o acervo e determinou sua transferência para o Instituto de Estudos Brasileiros da universidade (IEB – USP). Antes da mudança, a instituição contratou Thomaz Farkas para produzir um filme, com o objetivo de registrar o imóvel na época ainda com a mobília. O curta é exibido ainda hoje no museu, e enquanto você aprecia alguns móveis e objetos originais ao vivo e a cores, também pode conferir no vídeo como eles eram utilizados na época.
Um homem que tanto produziu em vida certamente deixou em sua casa um acervo colossal de materiais.
No começo dos anos 1970, o imóvel projetado por Oscar Americano foi tombado em nível estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), e em esfera municipal, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Cultural da cidade de São Paulo (Conpresp).
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A partir de 1974, a casa passou a receber diversas ocupações, como o Centro de Estudos Macunaíma, dedicado ao teatro e a atividades de sensibilização. Na década de 1980, foi sede do Museu de Literatura de São Paulo e braço técnico da Casa Guilherme de Almeida. Nos anos 1990, com a criação do programa ”Oficinas Culturais” pela Secretaria da Cultura, a Casa se tornou uma Oficina Cultural e passou a ministrar atividades de formação e difusão cultural em diferentes linguagens artísticas ⎯ função que possui até hoje.
Após uma reforma, a Casa Mário de Andrade foi reaberta ao público em 2015, ano do 70º aniversário da morte do escritor, com a exposição “A Morada do Coração Perdido”, que visou resgatar a relação do autor com o imóvel. Em 2018, com o objetivo de resgatar definitivamente o caráter museológico do casarão, tornou-se Museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, além de integrar a Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo, com uma proposta fundamentada no perfil multifacetado de Mário de Andrade.
O resultado, agora com a ampliação em 2024, é de um delicioso espaço, que celebra, através da incansável produção e criatividade de Mário de Andrade, a riqueza da cultura e da produção literária brasileira ⎯ e disponível gratuitamente para visitação.
Um brinde com bauru e cerveja
Após o fim de tarde que “passei com Mário de Andrade”, ainda no clima, aproveitei o dia para conhecer o centenário Ponto Chic, que ocupa o térreo de um antigo sobrado no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo. O bar foi inaugurado em 1922 pelos sócios Odílio Cecchini e Antonio Milanese, e era frequentado por Mário e outros modernistas, além de alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Foi lá que nasceu, em 1937, um típico lanche paulistano: o Bauru, sanduíche no pão francês com finas fatias de rosbife, tomate em rodelas, pepino em conserva e uma mistura de quatro tipos de queijos fundidos em banho-maria (queijo prato, estepe, gouda e suíço). O nome Bauru foi dado em homenagem a um dos mais famosos frequentadores, o estudante de Direito, Casimiro Pinto Neto, o Bauru, que tinha esse apelido por ser da cidade homônima, no interior de São Paulo.
No dia, eu estava recém-recuperado de um problema na garganta e, como tinha sentado muito próximo a um ar-condicionado forte, pedi a uma garçonete para me levar a uma mesa que não batesse o vento. Coincidência ou não, ela me colocou numa mesa onde justamente havia ao lado um quadro com foto de Mário de Andrade, e outro com o jornalista Blota Júnior (1920-1999), que também frequentou o Ponto Chic.
Foi nessa mesa que pedi um chope e a iguaria que tornou o local tão famoso. O sabor do pepino é forte e, em certo momento, domina o paladar em detrimento a outros ingredientes do sanduíche, mas vale a pena prová-lo, especialmente pelo queijo.
Dessa forma, conectado com o legado do modernista, agora num de seus lugares favoritos em São Paulo, encerrei o dia. Valeu e muito a pena fazer essa visita e, quem estiver em São Paulo, fica a dica para conhecer a Casa Mário de Andrade e, claro, se puder, dar uma passada no icônico Ponto Chic.
Serviço:
Museu Casa Mário de Andrade
Rua Lopes Chaves, 546 – Barra Funda, São Paulo – SP.
Tel: (11) 3900-4273 | contato@casamariodeandrade.org.br
Horário de visitação: terça a domingo, das 10h às 17h30
https://www.casamariodeandrade.org.br
Com informações de: Casa Mário de Andrade, Sistema Estadual de Museus (SISEM-SP), Almanaque Folha, Blog do Arcanjo, Agência Brasil, Arte Fora do Museu, eBiografia, Veja SP
Fotos: Danilo Moreira/acervo pessoal
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