Chico nosso de cada dia: 80 anos de Chico Buarque

No dia dos 80 anos de Chico Buarque, relembramos o jovem Chico que encantou Clarice Lispector, Maria Bethânia e segue a encantar todo o Brasil há décadas.

80 anos de Chico Buarque/ Foto: Acervo Folha de São Paulo.

“Ele não é de modo algum um garoto, mas se existisse no reino animal um bicho pensativo e belo e sempre jovem que se chamasse Garoto, Francisco Buarque de Holanda seria da raça montanhesa dos garotos.”

Clarice Lispector sobre Chico Buarque

Esse trecho, extraído de uma entrevista concedida por Chico a Clarice Lispector, nos fins dos anos 60, resume bem a personalidade tímida e, ao mesmo tempo, viva e curiosa do rapaz que, àquela época, tinha por volta de 25 anos. Mais de 50 anos depois, Chico ainda pertence à “raça montanhesa dos garotos” e conserva o “sorriso de olhos abertos” que chamou a atenção de Clarice e encantou-lhe.

Amadureceu, deveras, mas não perdeu a vivacidade inspiradora que enche as suas composições e as torna atemporais. Cada verso seu firma-se como raiz em terra fértil, reverberando nas almas para exorcizar os sentimentos incompreensíveis e abalar nossas frágeis certezas.

Ouvir Chico é abrir-se para uma ventania da qual não sabemos o que virá. Às vezes, dor. Outras, alegria. Lembro-me vivamente da primeira impressão que tive quando, ainda criança, ouvi a interpretação sublime de Rosa dos Ventos na voz de Maria Bethânia, que também completa anos esse mês. Talvez por isso ela seja uma das mais inspiradas intérpretes de Chico e a que melhor compreende, na carne, a substância de sua poesia.

(Continua após a imagem)

Capa do disco “Chico Buarque & Maria Bethânia” (1975, Phillips)

São irmãos de mês e de alma. Fiquei impactada pela força das palavras e ainda que, na época, não pudesse dar-lhes a dimensão real, compreendi que estava diante de algo profundo e apenas deixei que os ouvidos internos, aqueles diretamente ligados ao nosso espírito, fizessem a ponte entre poesia e coração. Acredito que, sendo assim, torno-me suspeita para falar de Chico. Como fã que sou, contemplo sua obra embasbacada pela assertividade com que, a cada época, traduz os acontecimentos.

É um homem que pensa o seu tempo e não deixa que nada passe despercebido e, justo por isso, é tão perseguido por quem insiste em lançar pedras nas árvores de bons frutos. Mas para quem está acostumado ao amargor dos Anos de Chumbo, tais coisas não causam abalo.

Chico mantém-se lúcido, ainda que os dias sejam tolos e as mentes pareçam vazias de sensibilidade. Chico vive na voz doce do meu irmão, que cantarola a letra de A Banda enquanto escrevo esse texto. Sorri com a coincidência feliz e agradeci por influenciar bem o pequeno. Essa é a prova cabal de que as boas músicas atravessam gerações e, para citar outro poeta: “eu fico com a pureza da resposta das crianças”. 

Viva Francisco Buarque de Holanda!

Celebre os 80 anos de Chico Buarque com o livro ‘Anos de Chumbo’

Livro ‘Anos de Chumbo e outros contos’, de Chico Buarque (Companhia das Letras, 2021)

Compre o livro “Anos de Chumbo” ou qualquer outro livro ou produto na Amazon pelo link abaixo e contribua com a revista O Odisseu sem pagar nada a mais por isso.

Link.

Leia Também: ‘Auster morreu — sobre o acaso, a vida única e a literatura’, por Ayla Cedraz

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *