‘Boom de narrativas sobre a repressão é resposta às ameaças à democracia’, diz Márcio Sampaio que lança ‘O Círculo Vermelho’

No dia 12 de abril, a Academia Mineira de Letras (AML) recebe o lançamento do livro O Círculo Vermelho, do autor Márcio Sampaio, escritor premiado, crítico de arte, pintor, desenhista, poeta, professor e ocupante da cadeira 28 da AML.

O escritor Márcio Sampaio, autor de O Círculo Vermelho. Foto: Divulgação Academia Mineira de Letras.

 Tendo como pano de fundo a Ditadura Militar Brasileira, o novo romance de Márcio Sampaio gira em torno dos dilemas de Bruno, um jovem de 17 anos atravessado pela complexidade das incertezas de um regime político autoritário e obrigado a lidar com as prisões de seu pai e seu avô, acusados de subversão. É um mergulho intenso no Brasil dos anos 70, no auge do Governo Médici, um dos momentos mais terríveis da história recente brasileira e que paira, fantasmagórico, nas memórias dos que viveram e vivem, ainda hoje, os desdobramentos trágicos daqueles 21 anos nefastos.

Uma militância tímida

Quem viveu os “Anos de Chumbo” sabe que os maiores alvos do regime foram os artistas e não por acaso.  A arte alargava as trincheiras e tornava clara a face retrógrada e desumana de um governo nascido do conservadorismo ufanista de uma classe burguesa que odiava tudo que não fosse parte do seu cercado. Contestar os privilégios desses poucos era motivo suficiente para tornar-se subversivo, embora subverter seja o que de melhor a arte pode fazer pela humanidade. Era ela que dava combustível a juventude que se organizava em torno das palavras de ordem e do desejo de não legar ao futuro a monstruosidade da ditadura. 

Em depoimento para a Revista O Odisseu, Márcio Sampaio relembra que “Não foi fácil, mas também não achávamos impossível. Assistimos e sofremos os tempos sombrios. Mas era nas artes na literatura que encontramos o abrigo para as nossas inquietações e ações.”

Márcio Sampaio não escolheu o confronto direto, como muitos jovens de sua época, mas usou o seu trabalho como crítico, curador e escritor para deixar às claras a sua posição e, para isso, precisou buscar estratégias para lidar com a censura e a repressão, mas sem jamais abrir mão de dizer o que devia. 

“Sempre fui tímido e incapaz de entrar ativa e abertamente na política. Meu trabalho de criação e produção crítica passou por diferentes formas de lidar com a censura e a repressão. Na minha arte e na literatura, criei trabalhos de maneira a dizer o que devia numa forma menos direta. Também como curador, no Museu da Pampulha e no Palácio das Artes, como crítico e ensaísta, não deixei de colocar minhas ideias e preocupações políticas. Tinha cuidado em não me expor à sanha da censura. Mas nunca deixei de dizer e mostrar meu pensamento”

Márcio Sampaio em depoimento para a revista O Odisseu.

Escolher posicionar-se em tempos de crise tinha um alto preço e é bastante simbólico que um dos personagens de O Círculo Vermelho seja, justamente, um artista preso por não deixar de dizer, embora ciente do que isso poderia lhe custar. Sampaio usa a literatura como um dispositivo emblemático de memória e como um réquiem às vítimas anônimas do mal da repressão. ‘

Lembrar para não esquecer

Muito embora a ditadura pareça parte de uma memória recôndita do país, assistimos, pasmos, às muitas tentativas de retorno da sua face mais bruta e é a arte, mais uma vez, que assume a responsabilidade de “lembrar para não esquecer”, ou melhor, para não repetir. Nos últimos dois anos, diante das constantes ameaças à democracia, houve um boom de produções tendo a Ditadura como pano de fundo e destacando as atuações de heróis conhecidos ou anônimos que desempenharam um papel crucial no combate à repressão. Este ano, o lançamento do filme “Ainda estou Aqui”, recentemente premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, acendeu discussões necessárias e abriu espaço para revolver feridas ainda abertas, mas, dessa vez, sem a necessidade de metáforas. 

“Esse boom de narrativas sobre a repressão veio se formando ao longo dos anos, com as ameaças recorrentes, explícitas e descaradas à democracia. Já eram claras as declarações de personagens conhecidas a favor da ditadura e à tortura. A reação veio naturalmente em todos os setores políticos progressistas e nos meios de comunicação mais à esquerda. Uma polarização esperada. Com isso, também vieram à tona as narrativas, de diversos gêneros literários, artísticos e jornalísticos, muitos textos guardados há tempos. Era a oportunidade – e necessidade – de se tornarem públicos e ativos. Repete em termos o surgimento da literatura latino-americana dos anos 60/70. Mas àquela época, a forma era mais velada como um realismo fantástico. E nesse tempo todo, com a ação intensa e perigosa da censura, tivemos de buscar os meios de velar a força da denúncia com as metáforas e outros meios de explicitação das denúncias. Agora já não é necessário este subterfúgio e a realidade exige ação mais direta. As narrativas estão aí. Para criar e reforçar a consciência política e social da realidade que estamos vivendo”

Disse Márcio Sampaio em depoimento para a O Odisseu.

O Círculo Vermelho é mais uma narrativa essencial para entender a ditadura a partir do olhar dos que estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, com as questões sociais e políticas que deram fôlego àqueles eventos e que, ainda hoje, movimentam as engrenagens de um sistema contaminado pelo passado e que tende a flertar com ele quando vislumbra qualquer ameaça aos seus privilégios. É, também, um cenário que escapa ao Eixo Rio-São Paulo, demonstrando que a violência do regime estendeu os seus braços por todos os lados e uniu uma nação sob o signo do medo, mas, principalmente, sob o impulso da resistência. 

O evento de lançamento do livro “O Círculo Vermelho” acontecerá amanhã, 12 de abril, às 10 horas, no âmbito do Plano Anual da Academia Mineira de Letras -AML (PRONAC 248139), além de contar com o patrocínio do Instituto Unimed-BH. 

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O Círculo Vermelho, de Márcio Sampaio
Literíssima Editora, 2025
Romance, 104 pp.

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