Ser um escritor independente é difícil. É empurrar uma caixa pesada sem rodas em um mercado competitivo. Às vezes, cansa. Por outro lado, você ganha um conhecimento absurdo sobre as etapas de produção de um livro.
O sonho de publicar o livro geralmente vislumbra o caminho de enviar o original para uma editora tradicional, que vai avaliar o seu trabalho e, caso aprove, irá publicá-lo. Você verá o seu livro estampando vitrines das principais livrarias do país. Sonho concretizado.
Contudo, não é novidade que esse caminho rumo ao sucesso é um privilégio para poucos. Quando iniciei a minha carreira literária em 1999, aos 13 anos, a internet começava a se popularizar no país via um PC com monitor de tubo – no máximo um por lar, com uso compartilhado. Smartphones, mídias sociais, nem em sonho. Para publicar um livro, a depender da sua condição social, teria ou que imprimir as páginas e enviar às editoras via Correios, ou, caso não tivesse computador, pedir a algum vizinho/amigo/parente para usá-lo e enviar o arquivo por e-mail (moderníssimo). Depois, era sentar e esperar pela resposta – que na maior parte das vezes, não vinha. Imagina quem tentava, nessa época, fugir da dependência das editoras e publicar uma obra de forma independente?
Cenário bem diferente de hoje. Talvez nunca tenha sido tão fácil publicar um livro sem o respaldo de uma editora. Hoje temos plataformas como o KDP (serviço de autopublicação da Amazon), Clube de Autores, Uiclap, Watppad. Estão tudo aí, dando uma força para quem precisa transbordar sua criatividade por meio das palavras e quer ser lido.
Mas a publicação independente vai além de uma plataforma que lhe estende (digitalmente) as mãos para o seu livro. É um trabalho solitário. Seu contrato é com seu sonho. Seu maior motivador é você mesmo, caso contrário, nada anda.
Precisa gerenciar seu lado emocional, as suas expectativas e as inseguranças. “Será que alguém vai se interessar pelo que escrevo?” “Isso aí que eu escrevi rende mesmo um livro que as pessoas vão pagar para ler?”, você se pergunta insistentemente. Se não tem fama, terá que lidar com a sensação de que talvez não vá fazer falta, caso seu livro não saia. Tem que entender que seu sonho é mais um dentre milhões também em busca de espaço no mercado.
É você por você. Não tem editora, contrato, prazos. Quem determina datas é você. Tem que conhecer pelo menos o básico de todo o processo de produção do livro. Precisa orçar quanto pretende (e pode gastar) para deixar o seu sonho pronto para os leitores lerem. Se você quer uma obra bem profissional, tem que correr atrás de serviços de revisão, capista, diagramação, registro autoral, ISBN, ficha catalográfica e, se for lançar um livro físico, de impressão. Até o preço do seu sonho terá que pensar, e colocar numa balança o que é justo para você e atrativo para o consumidor. Tudo parte de você. A palavra final é sua, por conta e risco.
Durante o processo de edição e diagramação, problemas podem surgir. Revisão mexer onde não era para mexer (e você lembrou de avisar?). Arquivo final diagramado vir com erros bizarros por conta de algum bug em software, e você tem que revisar o arquivo inteiro, às vezes no celular, no meio de uma viagem, para não atrasar o fechamento do livro ainda mais. E você sofre só.
Ainda tem que gerenciar outros aspectos da vida, como as contas, o sustento, os filhos, os pais idosos. Às vezes, tem que enterrar ideias numa gaveta, porque no momento não vai dar para escrever, para pensar, para começar a primeira linha. Há fases da sua vida em que urgências e imprevistos podem até te obrigar a engavetar o projeto, às vezes por meses ou até anos. E dói. Mas não é o ganha pão, nem a prioridade do momento. Dói muito, mas dependendo do momento, nem dá para pensar direito, porque a vida nos engole. E se você nem é conhecido, ainda tem que lidar com uma verdade dura: se o livro atrasar ou não sair, praticamente ninguém sentirá a sua falta.
‘Agora, é cuidar da divulgação, que também é uma decisão solitária’
Então, dá tudo certo e o seu sonho em livro finalmente fica pronto. Já posso subir no pódio e me sentir um vencedor? Não. Agora, é cuidar da divulgação, que também é uma decisão solitária. É você quem tem que se virar. Tem que entender pelo menos um pouco de marketing para conseguir aparecer numa metrópole de outros escritores também na batalha para serem vistos, às vezes com mais recursos, habilidades e atrativos do que você.
Hoje, se quiser se divulgar, tem que abraçar as mídias sociais. Eu, pelo privilégio de já trabalhar na área da Comunicação, já me envolvo com esses canais. Mas sei que há escritores que não têm (e às vezes nem querem) essa intimidade com redes sociais, que dirá ter que agradar algoritmos que trabalham apenas para si mesmos.
Só que nem tudo acontece online. Se você vai a um evento literário, tem que se lembrar de separar alguns exemplares para oferecê-lo. Se você o lançou apenas em eBook, precisa deixar no esquema a página onde ele está disponível para compra, rezar para ter internet funcionando plenamente no local e xavecar o possível leitor para enviar o link e comprar. Conforme a sua disponibilidade de tempo, é “bater perna” na rua, apresentar o seu trabalho e, quem sabe, conseguir convencer uma pessoa qualquer a adquirir o seu livro, lembrando que somos um país que 84% população brasileira acima de 18 anos não comprou nenhum livro em 2023, segundo dados da pesquisa “Panorama do Consumo de Livros”, elaborada pela Nielsen BookData, encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL).
Mas nessas andanças, seja em eventos literários, na rua e também online, é que você cruza com outros autores independentes solitários e que estão na mesma batalha com os seus sonhos em livros. É nesse momento que a gente se ajuda, se divulga e se fortalece.
Ser um escritor independente é difícil. É empurrar uma caixa pesada sem rodas em um mercado competitivo. Às vezes, cansa. Por outro lado, você ganha um conhecimento absurdo sobre as etapas de produção de um livro. É capaz de indicar revisores, capistas, designers. Saber melhor quais gastos compensam ou não. Vira referência para outros escritores que não sabem por onde começar, seja para subir livros em plataformas como a Amazon KDP, ou em fornecer dicas de qual é a melhor para comercializar um livro impresso. Você faz contatos com outros escritores, influenciadores, grupos, e todos normalmente se fortalecem, pois sabem o que é trabalhar com a escrita em um país como o Brasil. Nada é perdido.
É importante também citar que alguns escritores de sucesso começaram publicando de forma independente, como Clara Alves (autora do romance infantojuvenil LGBTQIAP+ “Conectadas”, da Editora Seguinte), E.L. James (criadora da série “Cinquenta Tons de Cinza”, publicada no Brasil pela Intrínseca) e o gênio do terror Edgar Allan Poe (1809-1849), famoso por clássicos como o conto “O Corvo”.
Se amamos a escrita, temos que seguir em frente na nossa carreira. Seguir reclamando, com cansaço, mas SEGUIR.
Que sigamos perdendo às vezes, colecionando frustrações, mas sigamos. Mesmo que o nosso sonho, por enquanto, ainda seja um pássaro que voa muito baixo, mas só de tentar sair do chão e levantar voo, já é alguma coisa.
Senão, qual é o sentido disso tudo aqui?
O homem com creme de barbear e outros delírios
Por falar em livro independente, lancei a segunda edição da minha coletânea de contos “O homem com creme de barbear e outros delírios”. Publicada pela primeira vez em eBook em 2020 por meio da Amazon, a obra ganhou cinco contos inéditos e agora também é comercializada em versão física via Uiclap, além de um novo livro digital, disponível na Amazon.
Os contos brincam com situações urbanas cotidianas, em que os personagens, geralmente presos em suas rotinas, medos e frustrações, encontram meios, às vezes até bizarros, de ressignificarem as suas existências. Aqui no blog do Plug Literário, eu conto mais sobre o livro.
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