N’A Feira do Livro 2024, Andrea del Fuego, autora de “A Pediatra”, e Betina González, autora de “A Obrigação de Ser Genial”, discutem a insegurança em se assumir escritora no mundo literário ainda ditado por homens.
Na mesa de sábado (29.06.2024), a escritora argentina Betina Gonzalez e a escritora brasileira Andrea del Fuego se reuniram para falar sobre suas escritas e processos criativos. A mesa foi mediada por Beatriz Muylaert.
Tornar-se escritora é um processo dinâmico e continuo, não é um evento que se sabe quando e como começa, mas algo na linha do “dar-se conta”. É algo que se percebe, ou que se reconhece, e, pasmem, mesmo uma escritora como Andrea del Fuego tem dificuldade de se dizer escritora, às vezes. A brasileira narra que escreve textos para si mesma, e que eventualmente são publicados. Mas escritora? É difícil admitir.
Betina Gonzalez estudou muito os estigmas da mulher escritora e, no seu lindo espanhol desacompanhado de tradução, fez-se entender por uma plateia de brasileiras (a maioria) quando disse que uma mulher escritora não pode ser apenas excelente, tem que ser genial. O mote que dá nome a seu novo livro (“A obrigação de ser genial”) vem de uma passagem de um texto de Ricardo Piglia, em que o crítico argentino diz: “a obrigação de ser genial é a resposta ao lugar inferior, à posição deslocada.”
Em resposta à Piglia, Gonzalez precisou dizer o óbvio: “nem todos os escritores homens têm a ‘obrigação de ser genial’, apenas aqueles que, de uma forma ou de outra, foram deslocados ou excluídos, situação em que todas as mulheres escritoras se encontram”. Não por outro motivo, diz Gonzalez que “uma escritora sempre tem a obrigação de ser genial, um escritor pode contentar-se em ser bom, aceitável ou francamente medíocre, porque até a mediocridade lhe renderá um espaço no campo literário, um espaço que já era garantido pelo mero pertencimento a um gênero”.
Em meio a aplausos e cabeças que acenavam em concordância no meio do público, um integrante da plateia suscitou o questionamento: será então que o bloqueio criativo é um delírio masculino? Ao falarem sobre seus processos, as autoras pareceram concordar que sim: Andrea escreve enquanto caminha, e dedica três horas de seu dia para a escrita, de forma disciplinada, porque o tempo é pouco e a vida exige muito dela. Betina brinca que o bloqueio de artista talvez seja algo preponderantemente dos homens, que tem um mundo de possibilidades diante de si e se veem “bloqueados” pelo excesso de escolhas: poderiam estar viajando, matando tigres, travando guerras, há tanto a se fazer que não conseguem simplesmente sentar e escrever um texto.
O furor do público talvez tenha decorrido do fato de que, escritoras ou não, todas as mulheres ali sentiam uma mesma angústia enquanto trabalhadoras, independentemente de seus ofícios: diferentemente de um homem branco, não temos o direito de sermos medíocres, precisamos ser geniais. E como pesa viver assim.
Deixo aqui, como leitora e repórter, o meu agradecimento a Andrea e Betina, por falarem abertamente o que precisava ser dito.
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