Em entrevista para a revista O Odisseu, Baldan conta como viajar o mundo o transformou e como ele reuniu essas memórias em seu primeiro livro “Procura-se um sofá” (Folhas de Relva, 2025).

Será que viajar é mesmo um privilégio de poucos? Bom, talvez isso dependa da forma como você tem planejado as suas viagens. Enquanto para alguns a viagem perfeita é aquela organizada nos mínimos detalhes, para outros, a viagem inesquecível é aquela que dá pra fazer. Foi nesse intuito, o de abrir novas possibilidades de conhecer novas realidades, que surgiu na internet o movimento Couchsurfing, já ouviu falar?
Trata-se de uma rede de pessoas que disponibilizam suas casas para receber viajantes do mundo inteiro que não querem se preocupar com hotéis ou desejam fazer novos amigos. Foi assim que Fernando Baldan, jornalista de Minas Gerais, conheceu destinos turísticos desejados por todos, dentro e fora do Brasil. “Viajar conhecendo pessoas ao redor do mundo pode fazer a jornada ganhar um novo significados”, contou Fernando em entrevista para a O Odisseu.
Da experiência de viajar o mundo, de conhecer novas culturas e de se aventurar no desconhecidos, nasce seu primeiro livro “Procura-se um sofá”, “uma mistura de diário de viagem com relato pessoal, um romance de não-ficção“, como ele mesmo define na entrevista que você confere a seguir.
‘No livro, aproveito situações corriqueiras para falar de questões como política, religião, amizade, xenofobia, solidão e mudanças sociais e econômicas.’, conta Fernando Baldan sobre seu livro ‘Procura-se um sofá’

Ewerton: Desde que li sobre o seu livro, fiquei pensando em quão incrível deve ser a possibilidade de viajar e conhecer tantos países, especialmente para quem é da área do jornalismo. Você acha que a experiência te trouxe alguma bagagem para seu trabalho como jornalista?
Fernando: Sim. Viajar é, quase sempre, um exercício de abrir a mente para coisas novas, para culturas diferentes. E isso fica mais acentuado no couchsurfing porque você está conhecendo pessoas de outros lugares e fazendo amizade. Elas estão compartilhando um pouco do mundo delas. Sua experiência é influenciada pelo ponto de vista do outro. Com certeza fiquei mais empático viajando por aí e isso influenciou meu texto.
Ewerton: E como escritor? Este é seu primeiro livro, correto? Sente que essa experiência foi, talvez, o que você precisava para começar a esboçar um livro?
Fernando: É o primeiro. A experiência de ter feito couchsurfing foi muito importante. Quando tive a ideia de fazer um livro sobre isso, quase tudo apareceu redondinho na minha cabeça. Mudei o final duas vezes, mas para acrescentar coisas que aconteceram recentemente. Isso deu uma nova dimensão para a história. Lapidar o texto foi a parte mais difícil.
Ewerton: Sei que num livro não é possível caber tudo o que você viveu. Fiquei pensando bastante sobre aquilo que ficou de fora da narrativa. Como foi para você escolher os episódios que entraram no livro?
Fernando: O livro abrange cerca de dez anos. Quando comecei a escrever, pensei se conseguiria lembrar de tudo. Fotos, conversas no chat da plataforma e documentos como tíquetes de trem, passagens de avião e até souvenires me ajudaram a rememorar, além das amizades que mantive e que contribuíram para manter na cabeça algumas situações. Mas esqueci algumas coisas.
Ao escrever os capítulos, procurei focar no que tinha a ver com o couchsurfing, incluindo a ausência dele por algum motivo. Se não eu não estava interagindo como o pessoal da rede de viajantes por não ter conseguido hospedagem ou por estar de saco cheio, eu estava confraternizando com a galera dos hostels, amigos ou explorando sozinho os lugares. Couchsurfers, companheiros de quarto de hostel, estátuas, artistas de shows a que fui e até o papa viraram personagens do livro, sempre no contexto da viagem ou de reflexões sobre a sociedade. No livro, aproveito situações corriqueiras para falar de questões como política, religião, amizade, xenofobia, solidão e mudanças sociais e econômicas.
‘Estou inserido como narrador mas não fico falando só de mim o tempo todo’, conta Fernando Baldan sobre seu primeiro livro

Ewerton: Será que você pode nos contar uma experiência que ficou de fora? Algo exclusivo?
Fernando: Teve um capítulo que decidi tirar porque parecia meio desconexo. Tinha a ver com viagem mas não era uma consequência de não ter conseguido ficar na casa de alguém do couchsurfing, por exemplo. Foi uma ida rápida a São Paulo para ver o pocket show de uma banda indie do Uruguai, Molina y los Cósmicos, num barzinho da rua Augusta. A banda se definia como “folk de fronteira”. Talvez por essa ótica, fronteira, deslocamento, ultrapassar limites, deixar algo para trás, o capítulo pudesse se conectar com a proposta do livro, mas achei melhor não usar. Vi esse show com uma amiga que fez couchsurfing pela primeira vez em Curitiba comigo, mas que, ao contrário de mim, não continuou a “surfar no sofá”.
Ewerton: É bem interessante pensar que o seu livro não é bem uma biografia, mas talvez uma reportagem literária (pensando o uso da primeira pessoa como um recurso para contar a história). Imagino que você tenha influência desse jornalismo literário, não é? Quais autores te influenciaram?
Fernando: É uma mistura de diário de viagem com relato pessoal, um romance de não-ficção. Estou inserido como narrador mas não fico falando só de mim o tempo todo. Descrevo situações, pessoas, nem sempre emitindo opinião e, quando o faço, procuro usar um pouco de humor e ironia.
Li e leio muitos autores de não-ficção como Gay Talese, Arthur Veríssimo, Hunter S. Thompson, Emmanuel Carrère, mas não só. Autoficção e ficção também. Gosto muito da Annie Ernaux, que os críticos chamam de autoficção, contrariando a autora, que diz que não inventa nada. Acho que esses autores são influências não no estilo de escrita, mas pelo fato de terem me ajudado a abordar coisas que antes talvez eu não tivesse consciência de que pudesse abordar.
Ewerton: Imagino que para além dos relatos, uma experiência de viagem também desperta muitos “gatilhos” para a ficção. Você pensa em escrever ficção em algum momento?
Fernando: Viajar é muito enriquecedor e, no caso do couchsurfing, viajar conhecendo pessoas ao redor do mundo pode fazer a jornada ganhar um novo significado. Tenho muitas ideias na cabeça e alguns esboços na gaveta.
Ewerton: E então, pretende fazer uma segunda temporada de viagens e, quem sabe, continuar uma saga de livros de viagens?
Fernando: Quem sabe?
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Mineiro de Poços de Caldas, Fernando Baldan é jornalista formado na PUC-Campinas, pós-graduado em jornalismo literário pela ABJL (Academia Brasileira de Jornalismo Literário). É assessor de comunicação e funcionário público. “Procura-se um sofá” é seu primeiro livro.
Procura-se um sofá, de Fernando Baldan
Folhas de Relva Edições, 2025
140 pp. Romance
R$ 65,90.
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