Ainda hoje, as consequências de uma cultura machista e patriarcal vão além da desigualdade nas condições de vida e trabalho, para criar e reforçar estereótipos que apresentam a mulher como um ser inferior.

Nesses dias sombrios, nos quais o mundo parece esfarelar-se diante de nossos olhos e de nossa impotência, fico a imaginar, em hipotético exercício mental, como estaria a humanidade hoje se, ao longo da história, mulheres estivessem no comando das nações; ou em paridade com os homens no cenário global. Teríamos provocado tantas guerras? Tanta fome e desigualdade? Estaríamos a sofrer as consequências climáticas severas da deterioração dos recursos naturais do planeta que, por ora, é nosso único lar? Ou a humanidade, talvez, embalada no colo feminino, sob o olhar de uma mãe, nos colocasse diante de uma realidade diferente, mais humana? Ou, ainda, a voz sábia, enérgica; porém bem-humorada, doce e serena de uma avó teria nos livrado (com astúcia e xingamentos desbocados – permitidos às avós) de uma centena de garotos malcriados e suas pretensões ditatoriais?
Durante o mês de março, quando celebramos a conscientização por igualdade de gênero, é impossível não pensar, também, nas milhares de mulheres que, dia a dia, travam uma batalha individual, solitária e invisível para garantir a própria sobrevivência e de seus filhos, em bolsões de pobreza espalhados por todos os continentes. Ou nas mães migrantes, vítimas das guerras, do desemprego, das secas, inundações e outros flagelos sociais. Impossível não pensar na força desses seres dotados de uma capacidade imensa de agir em meio ao caos. Especialistas em recolher cacos, reconstruir escombros e reinventar a vida.
Se para muitas de nós a paridade e o respeito já são uma realidade, para outras tantas, nas mais variadas culturas, tudo isso, ainda parece um sonho distante. Um sonho a ser realizado em lutas diárias, individuais e coletivas, contra violências de todo o tipo, cometidas em casa, nas ruas, no local de trabalho e ambientes virtuais; contra o assédio moral externado na forma de comentários de menosprezo; contra sistemas políticos e ideológicos que negam à mulher liberdades fundamentais.
‘Promover a igualdade de gêneros não é provocar o embate entre os sexos’, Luciana Konradt
Ainda hoje, as consequências de uma cultura machista e patriarcal vão além da desigualdade nas condições de vida e trabalho, para criar e reforçar estereótipos que apresentam a mulher como um ser inferior. E, o mais grave, em muitos casos, a fazem crer nisso e reproduzir, mesmo inconscientemente, esse discurso. Inclusive, para outras mulheres.
Estar atenta e forte; mostrar, diariamente, que é capaz em um mundo dominado por homens; realizar várias tarefas ao mesmo tempo e ainda assim conservar a ternura para ser, por exemplo, uma boa mãe, tem um custo imenso para a mulher. Não é à toa que mulheres são as maiores vítimas de depressão. Ser fortaleza tem seu preço. E ele é caro.
Quando o tema é a opressão feminina, sempre recordo o conto “Autoridade”, no livro “Mulheres”, de Eduardo Galeano. Ele narra a lenda dos antigos “onas e yaganes”, que realizavam as tarefas domésticas, enquanto suas companheiras caçavam e pescavam. Um dia, revoltados, eles exterminam as mulheres, preservando apenas as recém-nascidas. Então, “enquanto elas cresciam”, eles “lhes diziam e repetiam que servir aos homens era seu destino. Elas acreditaram. Também acreditaram suas filhas e as filhas de suas filhas”. Galeano resume, na alegoria final do texto, o que séculos de dominação histórica masculina fizeram com a consciência coletiva das mulheres.
Promover a igualdade de gêneros não é provocar o embate entre os sexos, mas simplesmente corrigir a rota e reconhecer que somos todos, de fato, detentores de direitos iguais.
Por isso, espero que cada uma de nós use a sua própria voz e tenha a liberdade de fazer suas escolhas. Tenha dúvidas, incertezas, fraquezas, mas carregue a certeza de sua força, a esperança e coragem. Use as cores que quiser, traduza-se em tantos personagens quanto puder imaginar, mas, sobretudo, faça tudo isso consciente e livre. E com imenso orgulho de ser mulher.
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