4 perguntas sobre Judith Butler

A convite da revista O Odisseu, os professores e pesquisadores Leandro Colling e Douglas Sacramento respondem perguntas sobre a obra de Judith Butler que faz 69 anos hoje.

4 perguntas sobre Judith Butler. Foto: Reprodução.

Por onde Judith Butler passa, parece haver um incômodo latente. Em sua última visita ao Brasil, Butler despertou revoltas tanto por parte dos religiosos, que a apresentam como a “criadora da ideologia de gênero”, quanto por parte da esquerda marxista que a apresenta como um entrave para o debate da igualdade de classe e responsável por afastar as pessoas da esquerda. 

Ao resolver publicar os livros de Butler no Brasil, a editora Boitempo, tradicional na publicação de obras de esquerda, não passou ilesa. Foram muitas as críticas feitas por acadêmicos e pensadores que se consideram progressistas. 

Em São Paulo, na última vez que veio ao Brasil, Butler foi alvo de uma série de agressões, o que demonstrou que o ódio não está apenas no campo do discurso. Mas o que de fato incomoda tanto em Butler?

Para o professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador nos estudos de gênero Leandro Colling, o ódio por parte da direita veio primeiro, mas o da esquerda se aproxima do ódio dos conservadores em um ponto: em ambos os lados, não houve sequer uma leitura do texto de Butler. 

Todo mundo odeia Judith Butler?

Ewerton: Por que Judith Butler incomoda tanta gente?


Douglas Sacramento: Numa sociedade em que os sujeitos estão usando uma venda e, consequentemente, não enxergam as demandas e especificidades que se apresentam na sua frente, Judith Butler vem questionar essas ações. O incômodo e o abalo dos assuntos tratados em sua própria produção teórica estão pautados no questionamento de determinados discursos que são “normalizados” na sociedade. Portanto, Butler é uma filósofa que está atenta a esses cenários, passeando em muitas frentes, levantando bandeiras e explanando sobre tópicos de forma muito profunda, arguta e crítica.

Ewerton: O que explica o ódio a Judith Butler tanto por parte da direita quanto da esquerda?

Leandro: O ódio da direita ao seu pensamento é mais antigo e sobre isso Butler escreveu em seu livro mais recente, intitulado Quem tem medo do gênero?, lançado no Brasil em 2024. Aliás, Butler escolheu lançar o seu livro primeiro no Brasil, em português, em função dos ataques que recebeu em sua última visita a São Paulo, quando foi agredida no aeroporto de Congonhas, em 2017. Em 2015, Butler esteve, a nosso convite, em Salvador, e nada disso aconteceu. No evento Desfazendo Gênero, título de um dos seus livros, Butler realizou uma conferência no Teatro Castro Alves e foi lindo. A direita defende que Butler seria a pessoa teórica da tal “ideologia de gênero”, que foi criada, na verdade, pela Igreja Católica. Já as críticas do campo da esquerda são mais recentes e eu estou investigando isso. São críticas que se diferenciam e também se aproximam das críticas feitas da direita. No entanto, parte desses críticos do campo mais progressista alegam que Butler teria potencializado o tal “identitarismo”, o que é um completo absurdo porque Butler nunca foi sequer identitária. Pelo visto, são pessoas que nunca a leram, assim como os da direita.

Não é mais possível falar de estudos de gênero sem citar Judith Butler

Amando ou odiando, fato é que Judith Butler construiu a base dos estudos de gênero como se conhecem hoje. Ela não foi a primeira, é verdade, mas certamente é um dos nomes que organizou o que já havia antes de si e construiu uma estrada ainda maior no campo da teoria sobre gênero.

Ewerton: Qual a importância de Judith Butler para os estudos de gênero hoje?

Leandro: Butler escreveu um livro que mudou de forma muito significativa o modo como compreendemos os gêneros e as sexualidades nas últimas décadas. Problemas de gênero, lançado em 1990 nos Estados Unidos, além de fazer uma enorme contribuição teórica, permitiu a ampliação das categorias identitárias (a categoria mulher, por exemplo, ampliada para incluir as mulheres trans), a mistura entre os gêneros, via as pessoas não binárias, gêneros fluidos etc. Depois desse livro ela continuou as suas reflexões nesse campo e as ampliou para outras dimensões e problemas, mas nunca abandonou os estudos de gênero e sexualidade. Além disso, depois desse livro, em especial, ficou impossível dissociar os estudos de gênero dos estudos das sexualidades. É uma contribuição muito valiosa e que foi feita também por várias outras pessoas, mas Butler tem um protagonismo nisso tudo.

Ewerton: Por que ler Judith Butler?

Douglas Sacramento: Quando comecei a estudar Butler, estava na graduação. Participei de um grupo de leitura sobre Sara Salih, pesquisadora responsável por escrever o livro “Judith Butler e a teoria queer”, no qual explica os conceitos contidos na discussão sobre gênero e sexualidade que Butler produziu entre a década de 1990 até a primeira década dos anos 2000. Óbvio que o livro ficou datado, já que Butler ampliou seus tópicos de discussão, reverberando em outras demandas da sociedade. Judith Butler é uma filósofa atenta às demandas do contemporâneo e à organização de poder – com suas disparidades e reverberações na vida dos sujeitos – existentes no cenário social. Ler Judith Butler é passear em livros sobre a temática de gênero, cuja importância para os estudos queer é essencial (vide Problemas de Gênero; Quem tem medo do gênero?). O mesmo vale para as temáticas da relação entre vida, valor e morte existentes nos corpos que tombam (procure Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto?; Corpos que importam), se perder e se achar no conceito de não violência (leia A força da não-violência) e das políticas do performativo (consulte Discurso de ódio: uma política do performativo).

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Leandro Colling é professor associado III do IHAC, professor permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da UFBA – www.poscultura.ufba.br e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo – UFBA Integrante do NuCuS – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades – http://www.politicasdocus.com/.

Foto: Genilson Coutinho

Douglas Sacramento é doutorando em Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro/UFBA). Bolsista CAPES. Mestre em Literatura e Cultura (PPGLitCult/UFBA). Professor, artista e pesquisador.

Foto: Genilson Coutinho

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