Desejos secretos, escondo em elipses ou zeugmas. Para os muitos universos inexistentes que brotam em mim, crio catacreses, sem exagerar em hipérboles (sou pragmática até a morte!). Mas não resisto às aliterações e anacolutos me encantam.
Há algumas décadas, os estúdios da Warner Bros, junto com o cineasta Steven Spielberg, criaram o sensacional desenho animado “Pink e Cérebro”. Em cada um dos episódios, a dupla de ratos executava um plano megalomaníaco (engendrado por Cérebro), para dominar o mundo. Acontece que Pink, de forma desastrada, sempre comprometia a estratégia do parceiro. E, para o bem da humanidade e alívio da plateia infantil, os dois precisavam adiar os objetivos maléficos.
Assisti aos imperdíveis “Pink e Cérebro” com meus filhos pequenos. Na época, entre pipoca e muitas gargalhadas, recordava alguns personagens da literatura de ficção científica. Com espanto, hoje, cada vez mais, o noticiário nos coloca frente a frente com figuras assustadoramente reais, que parecem emergir de um romance distópico. Ou, por sua aparência caricata, do roteiro de um desenho animado, onde uma inescrupulosa ratazana considerava-se detentora do direito de dominar o planeta.
E por falar em figuras assustadoras, devo confessar que o tema inicial deste texto era outro: a linguagem (ou melhor, as figuras de linguagem). Assunto, aliás, bem mais palatável para o curto espaço da crônica.
‘Se no mundo real, seres prepotentes, com poder e aspirações totalitárias e colonialistas, me causam asco (e pavor), no território da linguagem, gosto de frases no modo imperativo, de pontos de exclamação.’, Luciana Konradt
Pois bem: se no mundo real, seres prepotentes, com poder e aspirações totalitárias e colonialistas, me causam asco (e pavor), no território da linguagem, gosto de frases no modo imperativo, de pontos de exclamação. Não por arrogância ou prepotência, como poderiam pensar alguns. Mas porque elas trazem em si a força do movimento, do fazer e agir. Sou movida a movimento (assim mesmo, com redundância). Aliás, como dá para perceber, na escrita, também me agradam as repetições. Pleonasmos oportunos têm uma força orgástica (rimas ricas e pobres, também). Dicionários são afrodisíacos. Livros bem escritos, com palavras distribuídas de modo elegante, são o êxtase. Vão direto ao ponto “G”. Dardos certeiros que excitam e me fazem perder o sono.
A menos que seja para evitar um processo, ao escrever, não gosto de ideias implícitas. Prefiro o texto claro, reto, pontual, sem meneios nem entremeios. Entrelinhas, deixo-as só para as carícias escondidas nas metáforas de um poema. As linhas e frases, prefiro curtas e enxutas. Aceito ironias inteligentes, se não forem escritas por pura maldade. Às vezes, também é importante um bom eufemismo piedoso; litote que suaviza o drama diário (sobretudo nesses tempos sombrios). Desejos secretos, escondo em elipses ou zeugmas. Para os muitos universos inexistentes que brotam em mim, crio catacreses, sem exagerar em hipérboles (sou pragmática até a morte!). Mas não resisto às aliterações e anacolutos me encantam.
‘No universo imenso da linguagem, encontrar a fórmula certa para a alquimia de misturar seus ingredientes primordiais e, com eles, criar o ouro de uma história que permanecerá no tempo é o sonho de quem escreve.’, Luciana Konradt
Se o assunto é sério, muito sério, antíteses e paradoxos são indispensáveis. Fazem bem ao raciocínio lógico e na gradação podem levar a discussão ao clímax. Ou anticlímax, a depender de quem lê. Hipérbatos, então, são benvindos. Onomatopeias sempre acalmam os nervos exaltados e fazem rir. E se, por acaso, durante o debate, nesta exaustiva busca pela compreensão dos males do mundo, o espírito tombar na desesperança, não custa nada rezar com longas apóstrofes.
No universo imenso da linguagem, encontrar a fórmula certa para a alquimia de misturar seus ingredientes primordiais e, com eles, criar o ouro de uma história que permanecerá no tempo é o sonho de quem escreve. Tenhamos sucesso ou não, nessa tarefa difícil, o que mais importa nem é o resultado, mas o prazer experimentado durante o caminho. A excitação da experiência (que, por sinal, vivi agora). Estar diante das palavras – como pedras brutas – e descobrir suas infinitas possibilidades de mistura, depois de lapidadas pelo impulso criativo é o que mais fascina na arte da escrita. Se de tudo isso, resultarem bons personagens e boas histórias; aí então chegaremos ao paraíso.
Por isso, na ficção, embora me agradem as boas exclamações e sua força imperativa, em alguns momentos, acho muito mais interessante encerrar o texto com um ponto de interrogação. Aquela interrogação que obriga o leitor a pensar. Ou, no mínimo, a concluir uma ideia, acrescentar suas impressões pessoais ao roteiro e, nesse processo, vivenciar, também ele, as delícias do ato de escrever. Mas nesse caso, eu não deveria terminar a frase com reticências? Ou, voltando ao início desta crônica, com uma pergunta providencial: por onde andará Pink?
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