A arte só cumpre seu papel se for autêntica. Cópias, por melhor que sejam, nunca substituirão a substância original. Cópias não terão o perfume do barro ancestral e íntimo com o qual moldamos nosso fazer artístico.
Nas mudanças de estação, na hora de renovar o guarda-roupas, analiso sempre o corte e a qualidade de cada peça comprada. Todos os tecidos, sejam eles sintéticos ou não, são bem vindos, a depender da ocasião, desde que costurados com cuidado e bom acabamento. Mas fico muito incomodada quando estou à procura de fibras naturais e encontro roupas feitas com misturas exóticas disfarçadas de puro linho. Detesto mais ainda quem as oferece à venda, sem ressalvas, como se o engodo não fosse perceptível ao primeiro toque. E tenho piedade daqueles que, por incautos ou desatentos, deixam de conferir a composição na etiqueta e compram gato por lebre. A questão aqui, não é o material em si (que até pode ser bom), mas a sua autenticidade.
Pois no plano das ideias as coisas não são muito diferentes. Haverá sempre quem disfarce seu extremismo em discursos supostamente libertários. Haverá quem oculte seu ódio em bandeiras moralistas ou religiosas, entre outros enganos. E, num círculo vicioso, muitos comprarão essas verdades disfarçadas; as transformarão em dogmas e, sem questionar, criarão seus mitos. Mas isso é assunto para outra conversa, porque hoje quero falar de arte.
Há alguns dias, li sobre pesquisa da neurociência confirmando aquilo que sempre me pareceu óbvio. Observar uma pintura original, em um museu ou galeria de arte, gera uma “resposta emocional” muito superior àquela provocada pelo contato com sua reprodução. O mesmo acontece, inclusive, com as chamadas exposições imersivas, que prometem experiências sensoriais intensas. Ou seja, nada substitui nossa emoção diante do resultado verdadeiro e autêntico do trabalho feito pelo artista. Embora nos faça felizes, a projeção das imagens de uma tela pelo teto e pelas paredes não será capaz de provocar em nós o mesmo estado de encantamento vivenciado quando contemplamos a obra verdadeira, pois é nela, e não na cópia, que o autor depositou sua alma.
‘O ato de criar é único’
A mesma obviedade serve quando falamos de literatura. A palavra que fica em nós é aquela que traduz a alma de quem a escreve. Talvez seja oportuno lembrar, aqui, o livro “A arte de escrever”, nome no Brasil de um texto traduzido e extraído da obra “Parerga und Paralipomena”, de 1851, de Arthur Schopenhauer. Nele, o filósofo discorre sobre vários requisitos para a boa narrativa, como a concisão, a originalidade, o bom uso da linguagem e outros. Em determinado trecho, ele declara, simples e taxativo: “apenas aqueles que, ao escrever, tiram a matéria diretamente de suas cabeças são dignos de serem lidos”.
Hoje, quando as teclas de copiar e colar estão ao alcance de todos, roubar a imaginação alheia nunca foi tão fácil e rápido para os inescrupulosos sem criatividade. Isso sem falar na inteligência artificial e seus mecanismos de escrita, que desobrigam o autor de qualquer pensamento prévio ao ato de escrever e, imagino, devem fazer Schopenhauer revirar-se no túmulo.
O conceito de atividade artística pode ter variações, conforme suas diferentes formas de expressão, mas em todas elas encontraremos sempre expressões como “talento criativo”. Quer seja na pintura, literatura, escultura, dança, música e outras manifestações, o ato de criar é único. Pressupõe um exercício solitário e um pensamento ímpar capaz de incorporar emoção, beleza e outras tantas características inéditas à determinada mistura de elementos ou palavras. Por isso, a arte só cumpre seu papel se for autêntica. Cópias, por melhor que sejam, nunca substituirão a substância original. Cópias não terão o perfume do barro ancestral e íntimo com o qual moldamos nosso fazer artístico.
Quando deixamos o plano do indivíduo, para pensar a arte em seu aspecto coletivo, valem os mesmos conceitos. Porque só terá valor e permanência o que representar, de fato, a identidade de um povo. O que for tecido puro, criado genuinamente a partir das fibras de um povo e suas raízes. Isso não significa rechaçar a cultura estrangeira. A diversidade só acrescenta. Trata-se, ao contrário, de buscar todas as boas referências, incorporá-las ao processo criativo, sem perder, contudo, nossa própria personalidade. De ter acesso a todas as culturas, aprender e ensinar na relação com elas, preservando, porém, a capacidade de valorizar e dar voz aquilo que há de melhor em nós, a começar pela linguagem. Nesse aspecto, na literatura, textos livres de estrangeirismos já seriam um bom começo. Se temos, por aqui, a linda palavra “inspiração”, por que motivo usamos “insight”?