Em entrevista à Aline Félix, Luciana Konradt fala sobre o processo de escrita e publicação de seu mais novo livro ‘Canto de Palavras e Pássaros’ e sobre a coluna ‘Ágora’ que assina no site da revista O Odisseu.
No último dia 29, Luciana Konradt, autora, advogada e colunista da revista O Odisseu, lançou mais um livro: “Canto de Palavras e Pássaros” (Cinco Gatas) em Porto Alegre. Na ocasião, ela também fez o lançamento de sua coluna, Ágora, que sairá duas vezes por mês no site da revista O Odisseu. O texto de apresentação já está disponível no site! Para celebrar esse marco na carreira de Luciana e também na trajetória da revista O Odisseu, a editora e colunista Aline Félix a convidou para uma entrevista que você lê agora!
‘Particularmente, gosto dos cadernos de rascunho’, diz Konradt sobre como concilia a atividade de advogada e a escrita
AF: Querida Luciana, tive a alegria de participar na última quinta-feira (29/08) do lançamento do teu livro “Canto de Palavras e Pássaros ” e da tua coluna Ágora, aqui na O Odisseu, pode nos falar um pouco sobre esses dois projetos, por favor?
LK: Primeiro, quero externar minha felicidade com a tua presença no lançamento do livro e com a oportunidade de assinar a coluna Ágora, um espaço individual no site de uma revista do tamanho e da qualidade da O Odisseu.
Canto de Palavras e Pássaros é meu novo livro de contos, que foi escrito ao longo dos últimos dois anos.
Em “Bordados do tempo”, publicado em 2021, com 2ª edição em 2023, eu escrevi sobre fragmentos do tempo, instantes que mudam o destino e a trajetória dos personagens. Em 2022, lancei “Boiada de elefantes e outras histórias curtas”, onde o foco das narrativas eram os espaços, os cenários internos e externos na vida dos protagonistas. No ano passado, publiquei “Caderno de rascunho e outras crônicas”, uma reunião dos textos publicados durante dois anos, na seção de literatura, do jornal Diário Popular, de Pelotas. Como as crônicas para aquele livro já estavam prontas, sobrou tempo e comecei a escrever alguns contos para um novo projeto. Nesse processo, eu fui percebendo que os textos tinham em comum as muitas variantes do afeto. O carinho de um alfaiate pelas palavras, a admiração de um menino por seu patrão, a cumplicidade afetuosa entre um jovem aprendiz de assaltante e sua vítima, as paixões, os desejos imaginários, e outras diferentes expressões do sentir. Todas as histórias falavam de amor em um sentido muito amplo. De certa forma, os três livros formavam, assim, um ciclo: tempo, espaço e sentimentos. Porque, com a maturidade, nosso conceito de amor passa a ser abrangente, universal. Mas, ao mesmo tempo simples, para abarcar o mundo que nos cerca, e a nós mesmos, com um olhar mais cheio de compaixão.
Já, o convite para assinar a coluna Ágora foi uma das melhores surpresas dos últimos meses. E um desafio. Porque, na crônica, ao contrário de outros textos literários, como o conto ou romance, o escritor escreve com sua própria voz. Não estará traduzindo a fala de personagens, mas suas próprias crenças, ideias e convicções. E deve fazer isso de forma concisa e clara, o que além de exigir coragem para desnudar-se, expor-se frente ao leitor, exige, também, uma técnica apurada, para tornar o texto agradável e atrativo, em poucas linhas.
AF: O Ewerton também enviou uma pergunta: “Luciana você já tem uma publicação de livros considerável. Tem publicado com frequência livros muito bons. Gostaria de saber se você tem uma rotina de escrita que te mantém sempre na ativa”
LK: Muito obrigada, Ewerton, pelas palavras tão gentis e generosas.
Não tenho uma rotina de escrita. Na verdade, tenho certa dificuldade em estabelecer rotinas, com hábitos fixos e horários determinados. Para conciliar a literatura com minha atividade de advogada, geralmente, escrevo pela manhã e à tarde faço as tarefas do escritório. O mais importante, nesse processo, é anotar as ideias quando elas vêm à cabeça: em um bloco ou no espaço de notas do celular. Particularmente, gosto dos cadernos de rascunho. Daqueles sem pauta ou linhas limitantes onde posso rabiscar à vontade frases e desenhos, como se ponta do lápis acarinhasse as primeiras linhas de uma nova história.
Outra coisa que funciona bem para mim (e acredito que para muitos colegas) é participar de oficinas de escrita criativa. São um ótimo exercício. Muitas das histórias do meu segundo livro, Boiada de elefantes), foram criadas durante a participação na oficina Itinerários Mágicos, do amigo e escritor Celso Sisto.
‘Desde criança, tinha o hábito de narrar’
AF: Por que escrever?
LK: Escrever é um prazer. Não escrevo para aliviar dores, nem para exorcizar tristezas, fantasmas ou frustrações. Escrevo, simplesmente, porque gosto. Porque é necessário. Desde criança, tinha o hábito de narrar, mentalmente, tudo que fazia e descrever os lugares por onde passava. Com o tempo, junto com essas narrativas, passei a acrescentar imaginadas histórias por trás das pessoas aleatórias que encontrava. Certas tardes, no escritório, entre um processo e outro por analisar, ia até a janela para observar os pássaros (Porto Alegre tem uma enorme variedade de pássaros urbanos – muitos urubus) e os pedestres apressados. Desses minutos de observação, muitas vezes, nasciam contos curtos. Outros surgiam no meio da noite. Acordava, com a história pronta. Com personagens que ficavam muito tempo comigo, como amigos queridos e indispensáveis. Depois de alguns anos engavetando os textos, resolvi que era hora de publicar. O momento de tratar com mais respeito e carinho essa minha vontade de escrever.
AF: No evento de lançamento notei uma grande quantidade de autores e editoras, pode falar um pouco sobre esses vínculos formados a partir da literatura?
LK: Ao longo dos últimos anos, tenho conhecido pessoas incríveis, através dos encontros que a literatura proporciona. Acho que, como em qualquer outro tipo de relacionamento, a autenticidade e o afeto com que nos relacionamos são componentes indispensáveis para criar vínculos de confiança. Digo sempre que a escrita fica melhor se vivenciada de forma coletiva, em um ambiente de respeito às diferenças e de convivência fraterna entre todos os protagonistas envolvidos com o livro: editores, livreiros, leitores, escritores, revisores, diagramadores, capistas, ilustradores, gráficas e outros tantos personagens anônimos que colaboram nesse processo.
Por isso, acho fundamental a participação em feiras e outros eventos que festejam a escrita e propiciam sua inserção na comunidade.
Vejo a literatura (e outras manifestações culturais) como um bem universal. Embora considere importantes certos nichos temáticos, que valorizem os diversos setores da sociedade, não me agrada a ideia de guetos literários, nos quais, só algumas vozes “identificadas” com esse ou aquele grupo podem participar. Considero por isso, tão importante a convivência solidária e fraterna entre escritores dos mais variados gêneros. Porque é na soma de ideias diferentes, visões de mundo e pluralidades de pensamento que teremos uma literatura forte. Um prisma a refletir, de fato, nossa cultura.
AF: E o que te inspira?
LK: A vida. Minha escrita é pura intuição. Intuir histórias a partir da observação do mundo ao meu redor é o que me inspira.
Um detalhe na paisagem. As pessoas na rua, uma frase ouvida, ao acaso, em uma fila ou restaurante, o voo de um pássaro em círculos para ensinar seus filhotes, uma concha na areia, o arco-íris desenhado na gota d água sobre as folhas do jardim e tantas possibilidades infinitas, que se renovam a cada dia.
AF: Para finalizar, gostaria que você nos contasse o que está lendo e indicasse um livro que você acha que foi importante nessa sua caminhada literária.
LK: No momento, estou lendo “Contos do nascer da terra”, de Mia Couto. É quase impossível falar de um único livro importante na minha trajetória. Desde muito cedo, tinha paixão pelos clássicos. Para meu processo de escrita de contos, talvez pudesse citar, como influências, João Simões Lopes Neto, Franz Kafka, Guy de Maupassant, Anton Tchékhov e, mais recentemente, Dom DeLillo. Sobre o ato de escrever propriamente dito, acho que a obra indispensável é a “A arte de escrever”, de Arthur Schopenhauer. E, como exercício de reflexão, gosto de ler e reler Sêneca.
Leia também a estreia de Luciana Konradt na coluna Ágora: Sobre crônicas e coisas nem tão banais.