‘Senti uma vocação visual forte na história’ diz escritora e cineasta Maria Lutterbach sobre a adaptação e lançamento da segunda edição do romance ‘Baixo Araguaia’

Em entrevista exclusiva para a revista O Odisseu, Maria Lutterbach conta os bastidores da escrita, adaptação e lançamento da segunda edição do romance ‘Baixo Araguaia’.

A autora Maria Lutterbach (Foto: Divulgação) conversa com a Odisseu sobre o lançamento da segunda edição do romance ‘Baixo Araguaia’

Maria Lutterbach começou sua carreira no audiovisual em 2010. Desde então, entre seus trabalhos, destacam-se o curta-metragem ‘Corpoterritório’ (2019), no qual atuou como roteirista e co-diretora, e o média-metragem ‘Verde-Esperanza: Aborto Legal na América Latina’ (2022), que ela roteirizou e dirigiu. Além disso, Maria participou de outros projetos, atuando na roteirização, direção e também montagem.

Em 2022, Maria publicou a primeira edição de seu romance de estreia, ‘Baixo Araguaia’, pela editora Quelônio. A obra, que narra um rito de passagem pela puberdade sob a perspectiva de uma menina, apresentava miolo costurado e capa em tipografia. Agora, em 2024, Maria está trabalhando em uma adaptação de sua obra para o cinema, enquanto lança a segunda edição do livro, desta vez em brochura, mas com uma sobrecapa em tipografia que preserva uma parte da estética da primeira publicação.

A nova edição será lançada na Feira do Livro organizada pela Revista 451, no final do mês de junho, em São Paulo. Então a Revista O Odisseu aproveitou para conversar um pouco com ela sobre sua obra. Acompanhe a entrevista abaixo:

‘Tive e tenho dificuldade de colocar a literatura em primeiro lugar na vida’, diz Maria Lutterbach prestes a lançar a segunda edição do romance ‘Baixo Araguaia’

Por trás da escrita: Maria Lutterbach mostra a sua mesa de trabalho.

Fale um pouco sobre a história contada em ‘Baixo Araguaia’.

ML: A história se passa nos primeiros anos da década de 90 em uma cidade muito pequena do Centro-Oeste do Brasil, na região do rio Araguaia. É nesse lugar que a narradora, uma adolescente criada na cidade grande, vai parar depois que sua mãe se casa pela segunda vez. Mesmo estando ali a contragosto, essa menina experimenta a liberdade de viver no interior. Em cima de sua bicicleta ela desbrava o pequeno território com olhos curiosos e, aos poucos, vai acessando o mundo dos adultos. A narrativa tem algo bem sensorial, pois o tempo todo pontua a temperatura, os cheiros e as texturas que vão compondo a jornada de amadurecimento dessa personagem. Ao mesmo tempo em que experimenta a liberdade, ela também está exposta aos riscos que todo corpo de menina adolescente pode enfrentar. Além da primeira depilação, da menarca e do primeiro beijo, a protagonista vivencia paixões e assédio nesse ambiente profundamente machista, onde seu corpo em transformação faz dela uma presa em potencial.

O que motivou você a escrever Baixo Araguaia?

ML: Tive uma vivência curta na região do Araguaia, onde me senti muito como observadora daquele lugar tão diferente de tudo que conhecia. Era uma área colonizada por gente de diferentes partes do Brasil, principalmente do Sul, Minas e Goiás, então havia também a percepção dos diferentes sotaques e jeitos de cada lugar. Essa experiência muito marcante para mim começou a aparecer em alguns textos curtos que escrevi no começo dos anos 2000, naquela época em que todo mundo que gostava de escrever tinha um blog, inclusive eu (risos). Esses primeiros escritos foram uma espécie de treino para o texto que iniciei durante uma oficina sobre romance de formação em 2015, quando morei em Santiago do Chile. Nessa oficina, oferecida por uma escritora chilena no jardim da casa dela, comecei a acreditar que a história podia ser boa porque eu estava escrevendo em espanhol e mesmo assim as pessoas gostavam de ouvir (risos). Talvez o que tenha me motivado a escrever tenha sido uma certa tristeza ou banzo que senti nessa temporada no Chile. Quando contei para aquela escritora/professora que tinha decidido voltar para o Brasil, ela respondeu: – Tá indo para publicar seu livro, né? E eu resolvi tentar de verdade.

Como foi sua experiência na literatura?

ML: Tive e tenho dificuldade de colocar a literatura em primeiro lugar na vida não tendo nascido herdeira (risos), mas amo intensamente escrever, desde sempre. Naquela época dos blogs trabalhei em um jornal em Belo Horizonte, minha cidade natal. Foi meu primeiro emprego como jornalista. Minha chefe leu e gostou de algumas coisas do meu blog e abriu espaço para que eu publicasse crônicas semanais no caderno de Cultura. Em BH também colaborei para uma revista literária de bolso que se chamava Mininas e publicava só mulheres, do Brasil inteiro. Depois, fui estudar roteiro em São Paulo, mas acabei me distraindo um pouco tanto da literatura quanto do cinema durante os anos que morei lá, talvez porque as festas fossem muito boas naquela época (risos). De alguma forma continuei rondando esse universo. Fiz uma especialização em edição de livros e até tive uma editora de publicações em tiragens artesanais. Foi só quando cheguei ao Rio (de onde não espero sair tão cedo, depois de tanta andança) que aceitei e abracei a ideia de manter o foguinho da escrita sempre aceso. Depois do romance tive alguns textos curtos publicados em sites e revistas de literatura e comecei a me dedicar, em 2023, à adaptação do livro para longa-metragem. Senti uma vocação visual forte na história e achei que seria muito bom poder desdobrar esse trabalho.

‘Dá um trabalhão fazer as palavras virarem imagens’, diz Maria Lutterbach sobre adaptação do seu romance ‘Baixo Araguaia’

Como se contrasta sua experiência com a literatura em relação a sua experiência com o cinema?

ML: Migrei para o audiovisual no começo dos anos 2010 e me senti em casa porque continuei num lugar de contação de histórias. Acho que consigo ser mais desencanada no cinema do que na literatura. Vivo ainda a ilusão de que o papel tem mais peso do que a tela e por isso sinto mais receio do que vai ficar impresso. No cinema minha produção até agora se concentrou no documentário, então é uma grande aventura e delícia trabalhar nesse roteiro próprio de ficção. Tem sido bonito ver como o texto pede para se expandir quando é roteirizado, mas dá um trabalhão fazer as palavras virarem imagem.

Você pretende se aventurar outras vezes pela escrita literária?

ML: Sim, sim e sim (dizendo também para mim mesma (risos)). Tenho um filho de quase 4 anos e cuidar dele foi minha prioridade nos últimos tempos, mas a escrita está bem viva dentro de mim.

Quais são suas leituras preferidas?

ML: Como muita gente, de uns tempos para cá passei a me interessar cada vez mais pela literatura feita por mulheres. Durante a gravidez e puerpério li muitas poetas brasileiras contemporâneas que me impactaram, como Adelaide Ivánova e Angélica Freitas, e desenvolvi nos últimos anos uma paixão sem fim por tudo da italiana Natalia Ginzburg, que acho a mais engenhosa, engraçada e brilhante de todas que já li. No momento, também como muita gente, estou lendo tudo que posso da gênia Annie Ernaux. O tipo de autoficção feito pela Ginzburg e Ernaux me deixa com vontade de escrever quase ao mesmo tempo em que estou lendo.

Muito obrigado pela entrevista, Maria Lutterbach!

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