Em ‘O que a gente não faz para vender um livro?’, Vitor Miranda apresenta a prosa Neomarginal

Por meio de contos curtos e de leitura rápida e artes que ilustram as situações narradas em cada enredo, o leitor do livro de contos de Vitor Miranda é apresentado à vida corrida da contemporaneidade na cidade mais populosa do Brasil: São Paulo.

Resenha do livro de contos de Vitor Miranda (Foto: Divulgação/Reprodução)

O livro de contos “O que a gente não faz para vender um livro?” já toma o leitor pela curiosidade gerada por um título provocador como esse e suscita a pergunta: “que tipo de contos encontraremos em uma coletânea que carrega esse questionamento?” É com isso em mente que muitos leitores iniciarão sua jornada nas palavras do autor Vitor Miranda.

Narrativa curta expõe pressa do cotidiano

Por meio de contos curtos e de leitura rápida e artes que ilustram as situações narradas em cada enredo, o leitor do livro de contos de Vitor Miranda é apresentado à vida corrida da contemporaneidade na cidade mais populosa do Brasil: São Paulo. Através de histórias que podem contar desde o cotidiano de um casal viciado em mídias sociais (o conto prioridades) até cenas cruéis de violência policial (em não consigo respirar), o livro nos leva a cada canto da cidade que não dorme e os escancara, deixando o leitor nu, com suas vergonhas expostas por fazer parte desta sociedade e dos problemas que ela carrega. As frases curtas que não se importam muito com regras ortográficas, como o uso letras maiúsculas, formam cada conto presente no livro, trazendo a sensação de velocidade e de textos para as redes sociais, tão presentes na atualidade.

Cada conto presente no livro se propõe a expor e criticar questões que fazem parte da nossa vivência. Contos, como o já citado não consigo respirar, por exemplo, faz referência direta a fala de George Floyd, homem negro estadunidense, enquanto era assassinado por policiais. O conto passa a história de um instrutor de surfe negro que acabara de comprar sua bicicleta dos sonhos, o que rapidamente se torna um pesadelo quando o acusam injustamente de tê-la roubado e um policial o mata em frente tantas pessoas que nem mesmo tentam ajudá-lo.

Assim, ao colocar a fala de Floyd nos lábios do protagonista, o autor toca na ferida de uma sociedade racista como a brasileira, em que pessoas teimam a negar ou diminuir racismo. Mostra como o assassinato de pessoas negras pelas mãos daqueles que deviam protegê-los não é uma realidade específica dos Estados Unidos, mas sim uma realidade que pode estar acontecendo em diversos lugares, inclusive em nossa própria cidade. Outros contos muito interessantes são Toulouse-Lautrec, que traz um pouco da rotina de diversas mulheres que se veem forçadas a trabalhar com a prostituição; quase humano, mana, com um homem que passa mal numa rua movimentada, mas ninguém se importa em ajudá-lo até o final do conto; e a vida podia ser melhor, que apresenta a vida de um homem com paralisia cerebral.

A prosa Neomarginal do livro de contos de Vitor Miranda

O autor Vitor Miranda (Divulgação)

Contudo, infelizmente, não são todos os contos deste livro que conseguem contemplar bem essa proposta de expor e criticar a sociedade contemporânea. Contos estes que possuem muitos problemas para serem ignorados ao longo da leitura. Há contos com críticas rasas a problemas reais de nossos tempos que deveriam ser tratados com mais responsabilidade, além de tentativas de replicar a linguagem da internet que terminam por tornar a narrativa truncada e cansativa mesmo em um conto curto e parágrafos expositivos subestimam a inteligência do leitor.

É triste ver questões como essas – que poderiam ser resolvidas com uma melhor revisão e escolha mais atenta aos contos que entrariam no corte final – em um livro no qual o autor se apresenta como parte de um novo movimento da literatura brasileira: o chamado Movimento Neomarginal, cuja proposta é “[…] criar uma voz para dialogar com artistas de sucesso que estampam as publicidades de grandes marcas para discutir as políticas públicas para as artes com quem mais precisa de lei de incentivo para produzir seu trabalho” (MIRANDA, 2021, p. 149). Sendo assim, é preocupante ver tal proposta em um livro que trouxe contos dos quais apenas uma minoria destes podem realmente engajar com tal luta.

O que a gente não faz para vender um livro? tem, por fim, um grande potencial, mas seus pontos negativos terminam por ressaltar quando olhamos para a obra como um todo. Apesar dessas questões, os bons contos aqui mencionados permanecerão comigo por sua honestidade crua ao apresentar os costumes da cidade grande brasileira. Espero que outros livros do Movimento Neomarginal e novos lançamentos do Vitor Miranda possam alcançar o que alguns contos deste livro conseguiram: mostrar que literatura é muito mais do que um livro que se faz de tudo para vender.

Para comprar o livro, entre em contato com o Vitor Miranda no Instagram.

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